Nasci no Rio de Janeiro, em Madureira. Depois, por circunstâncias da vida e da pobreza, eu e minha família peregrinamos pela Cidade Maravilhosa. Sem paradeiro, vivemos em muitos lugares: Bangu, Magalhães Bastos, Méier, Vila Kennedy, Tijuca, Copacabana. Aos 13 anos, fomos para Porto Alegre. Desistimos de viver no Rio. Eu tinha pouca idade e não compreendia que o Rio era uma cidade hostil para nós. Na década de 1990, experimentei as violências urbanas a que a cidade nos expunha.
No Brasil, certamente, todas as cidades mantêm suas desigualdades. No Rio não era diferente. Havia algo que me oprimia em sua paisagem, entre prédios sofisticados e favelas em destaque. Saímos do Rio magoados com aquela cidade que teimava em não nos querer por perto. Essa era a grande contradição do Rio: uma beleza exuberante ao mesmo tempo caótica e triste para quem não faz parte da festa da zona sul. O que me fez crer que a beleza é a coisa mais imprecisa do mundo.
Apesar da cidade, sobrevivemos. Nosso refúgio foi Porto Alegre. Por muitos anos, o Rio de Janeiro apesentava-se como uma cidade monstruosa em meu imaginário. Saímos de lá porque não estávamos preparados para ela. Com tudo isto, eu deveria naturalmente nutrir um ressentimento por esta cidade. Mas não foi o que aconteceu.
Anos depois, já na vida adulta, regressei ao Rio. Eu era outra pessoa. Já tinha uma certa experiência. O suficiente para compreender que a cidade também era outra. Caminhar por suas ruas ganhou um novo significado. Cada vez que volto ao Rio, é como se estivesse me curando do que esta cidade me causou na infância.
Hoje também compreendo com mais lucidez que a cidade que vejo, só eu posso ver. A minha cidade é singular só para mim. Invento, imagino e idealizo o lugar em que estou. Uma cidade é sempre invisível à precariedade de nossa visão. A cidade sempre nos escapará. Toda cidade é inapreensível. Ergue-se alheia à nossa existência. Desenvolve-se em ruas, avenidas e prédios.
A arquitetura constitui as cidades, mas ela não é o mais importante, pois é preciso dizer que as cidades são as pessoas. Eu sou a cidade. Cada pessoa é um lugar. Porque o que nos faz ficar ou escolher um local para viver não é a arquitetura, não são os prédios, nem suas belezas naturais, o que nos faz escolher um lugar para viver são as relações que estabelecemos com as pessoas. Toda cidade é imaginada. Uma fabulação onírica e delirante em que passamos a acreditar.