Um dia antes da estreia da Seleção Brasileira de futebol nas Olimpíadas de Tóquio, o atacante Paulinho publicou um texto no site The Player Tribune, falando, entre outras coisas, sobre sua relação com as religiões de matriz africana, revelando ser a sua filosofia de vida. Além disso, na comemoração do quarto gol contra a Alemanha, Paulinho simulou o movimento de arco e flecha, em referência ao orixá Oxóssi.
Oxóssi é um orixá caçador, dono da floresta, ligado à fartura e à riqueza e, por isso, tem o arco e flecha como “ofá’’ — símbolo que o representa. Já Exu, também cultuado no Brasil pelo Candomblé e pela Umbanda, é geralmente associado às forças malignas e demonizado.
Entretanto, Exu é, na verdade, a face transgressora da cosmologia Iorubá. Uma potência vital e de beleza. Dono das encruzilhadas, como aponta Luiz Rufino no livro Pedagogia das Encruzilhadas, Exu nada tem a ver com o imaginário racista em que foi colocado. Por ter características de “pregar peças” nos outros orixás, aproximando-se da figura do malandro, sua imagem negativa foi sendo construída a partir de relatos de viajantes colonizadores entre os séculos 19 e 20, alimentados por uma perspectiva cristã.
Conhecer e respeitar outras crenças nos ajuda a alargar nosso entendimento sobre a vida. A frase: “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje” revela um deslocamento filosófico, desorganiza nossa medição temporal e nos leva a uma outra lógica para pensar a própria passagem do tempo.
Há uma poética nas encruzilhadas. E é Exu que as revela. Exu abre os caminhos na “gira” do mundo, por isso faz sentido a frase de Paulinho: “Que Exu ilumine o Brasil”.
Há séculos, assistimos a ataques às religiões de matriz africana. São inúmeros os relatos de intolerância. O gesto do jogador Paulinho comprova que os tempos são outros e que precisamos de respeito a todas as manifestações de fé. Precisamos descolonizar as mentalidades, pois é justamente esse mosaico de crenças que nos constitui como cultura brasileira.