Revi na semana passada o filme Fahrenheit 451, de François Truffaut, baseado no livro homônimo de Ray Bradbury. Na película, o protagonista, Montag, é um bombeiro que queima livros. Obedece cegamente às ordens de um governo autoritário e que impede as pessoas de terem livros em casa. Difícil não associar às atitudes perpetradas pelo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, ao censurar uma série de livros por considerá-los “marxistas” e de “esquerda”.
Tanto Mario Frias (secretário especial da Cultura do governo Jair Bolsonaro) quanto Sérgio Camargo são os produtos mais bem acabados da trajetória brasileira em relação ao sucateamento da pesquisa e do conhecimento e ao desprezo pelos livros. Os dois representam a culminância de um projeto de destruição cultural, muito próximo de regimes autoritários.
A queima de livros e a censura são o modus operandi de governos ditatoriais.
A boa notícia é que os livros são sempre maiores. Os livros são maiores que Sérgio Camargo e Mario Frias. O tempo passará e as obras resistirão. Continuarão na memória das pessoas. E, daqui a alguns anos, Camargo e Frias serão apenas uma poeira na história. Assim como todos nós. Mas os livros permanecerão. Censurar ou queimar livros não vai fazer com que eles desapareçam. É lógico que a censura é um ato violento, mas ainda assim a literatura e a filosofia são sempre maiores.
Umas das cenas mais bonitas do filme de Truffaut é quando Montag, após ser questionado se ele lia os livros que queimava, repensa sua conduta, se rebela e depois se refugia num campo de pessoas perseguidas pelo governo. E lá Montag descobre que as pessoas são renomeadas com títulos de livros, passam a ser chamadas por obras literárias e filosóficas. Depois, passam dias e dias memorizando esses livros. Guardando as palavras dentro de si, para a seguir queimá-los também. Uma metáfora poderosa de que os livros não morrem. Nem quando viram cinzas.
Dentro dessa fogueira simbólica, acho pertinente perguntar ao presidente da Fundação Palmares: você lê os livros que você “queima”?