Vai se tornando muito difícil, para qualquer cidadão que tenha a capacidade de pensar dentro dos princípios da lógica mais simples, acreditar que o Brasil viva numa democracia. Não é preciso entrar num curso de ciência política para se ver isso.
Uma das exigências mais básicas das democracias de verdade é ter um sistema de Justiça que funcione, que seja compreensível pelo cidadão comum e cujas decisões se possa prever — elas precisam, essencialmente, seguir o que está escrito nas leis e prover soluções justas, onde se veta o que está errado e se aceita o que está certo. O Brasil de hoje não tem isso.
Acontece o tempo todo, e acabou de acontecer com a cassação do deputado estadual Fernando Francischini, do Paraná, por decisão de 3 a 2 numa "turma" do STF. Ele foi eleito pelo voto de 430 mil cidadãos paranaenses e destituído por três ministros que jamais tiveram um único voto na vida.
A cassação do mandato do deputado é um ato de injustiça em estado bruto
A cassação do mandato do deputado é um ato de injustiça em estado bruto — e mais um exemplo flagrante da aberração funcional em que se transformou o sistema judiciário no Brasil. Ele foi punido por um crime que simplesmente não existe no Código Penal Brasileiro — falou que duas urnas da eleição de 2018 estavam sendo roubadas.
Pode ser verdade, pode ser mentira ou alguma coisa entre as duas; só não pode ser crime, porque não existe lei dizendo que é. Se sua declaração causou danos, ele poderia ter sido processado penalmente por calúnia, injúria ou difamação, e responder a ações cíveis de reparação. Foi acusado, processado e condenado pelo delito inexistente de propagar "desinformação".
Francischini foi cassado por ser um deputado "bolsonarista", como diz a mídia, e para intimidar outros críticos do sistema eletrônico de votação em vigor, com a criação de jurisprudência preventiva. O recado é o seguinte: "Cuidado. Quem falar mal do sistema eleitoral vai ser cassado".
O caso todo é tão absurdo que em seu primeiro julgamento, no TRE do Paraná, o deputado foi absolvido por 7 a 0. Mas isso não fez diferença nenhuma. O caso acabou no Supremo, o mais poderoso partido de oposição no Brasil. É óbvio que a decisão foi reformada no TSE e, no fim, no STF, por um voto de diferença.
É injustiça pura e simples. Porque raios o deputado, ou qualquer cidadão brasileiro, não pode falar mal das urnas eletrônicas? Em que lei está escrito que o sujeito é obrigado a confiar no sistema eleitoral existente?
O STF tem dois ministros nomeados pelo atual presidente e nove inimigos declarados do governo. Não é preciso dizer que os dois votos a favor do deputado Francischini foram os dos ministros indicados por Bolsonaro; também não é preciso dizer que suas decisões serão automaticamente anuladas pelos outros nove, sempre que houver alguma conotação política no processo. É essa, hoje em dia, a previsibilidade da Justiça brasileira — pode-se contar, com certeza, que as decisões vão ser contra o governo.