A apreensão de meia tonelada de cocaína no bairro Mathias Velho, o mais atingido pelas cheias em Canoas, é possivelmente a maior já feita pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), da Polícia Civil. Mas não é a maior da história gaúcha. Pelo menos duas outras ações, da Polícia Federal, resultaram na descoberta de cargas quase cinco vezes maiores desse tipo de droga.
O episódio mais célebre aconteceu em 4 de julho de 1993, em São Leopoldo, no bairro Scharlau. Após meses de investigação, a PF encontrou 2,2 toneladas de cocaína acondicionadas num depósito. A droga seria remetida junto com uma carga de sapatos (produto de exportação do Vale do Sinos) para a Itália, por meio de navio. Entre os presos e condenados estavam empresários, um político de Campo Bom e alguns conhecidos traficantes. Policiais civis chegaram a ser investigados na ocasião, sob suspeita de fazerem a segurança informal do local, mas acabaram absolvidos judicialmente.
As investigações mostraram que essa grande carga de pó veio da Colômbia — exportada pelo famoso Cartel de Medellín — e, após fazer escala no Vale do Sinos, seria disfarçada em meio a calçados e enviada, em contêineres, pelo porto de Rio Grande até a Europa. O negócio fora encomendado pela Máfia italiana.
Até então, era a maior quantia de cocaína já descoberta no Rio Grande do Sul. O recorde foi batido em 2021 em Pelotas. A PF descobriu numa casa 2,7 toneladas do pó entorpecente. Cinco pessoas foram presas por tráfico, após um mês de vigilância dos policiais. A droga estava pronta para ser enviada à Europa, via porto de Rio Grande. Nos dois casos (o de Pelotas e o de São Leopoldo), o valor de cada carga está próximo a R$ 150 milhões.
Policiais têm encontrado também droga presa em navios ancorados em Rio Grande. Ela é colocada nos barcos abaixo da linha da água, por mergulhadores, num engenhoso estratagema para burlar a vigilância alfandegária.
Não falta imaginação aos traficantes. Em Canoas, eles buscaram uma casa que até pouco tempo atrás estava alagada e atravancada de entulhos. Por óbvio, pouco vigiada. Essa carga se destinava ao varejo, num consórcio formado por duas facções. Já o material apreendido em Pelotas e São Leopoldo era para exportação.
As apreensões de drogas (incluindo aí toneladas de maconha, mais frequentes) têm se repetido porque o território gaúcho virou corredor internacional do tráfico. Via de regra, a marijuana, mais barata, tem ido para o Uruguai, país com legislação liberal e que permite até plantio para consumo. Já a cocaína tem dois destinos: o varejo (caso da apreendida em Canoas) e o atacado (no qual o Rio Grande do Sul é usado apenas como trampolim para exportação a outros continentes). O fenômeno tem sido inclusive abordado em estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre rotas do crime.
Dois fatores contribuem para a presença gaúcha na rota internacional. Um deles é o super-porto de Rio Grande. O outro é que o Estado tem mais de 1,3 mil quilômetros de fronteiras, parte delas secas e pouco vigiadas. Vez que outra o crime organizado esbarra na dedicação de policiais como os do Denarc, que desta vez obstaculizaram uma ação milionária dos traficantes.