O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em 26 de março uma ação civil pública para que a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Estado do Rio Grande do Sul sejam condenados a indenizar indígenas gaúchos que foram expulsos de suas terras nas décadas de 60 e 70 do século 20. Na ação por danos morais e materiais, procuradores destacam que indígenas caingangues e mbyá-guarani sofreram remoção forçada das aldeias, sofreram trabalho análogo à escravidão e espoliação dos recursos naturais dos seus territórios, especialmente durante o período que compreendeu a ditadura militar no Brasil, após 1964.
O MPF alega que tais fatos poderiam ter ocasionado o extermínio dessas duas etnias no Rio Grande do Sul, configurando condutas previstas na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
O MPF solicita pagamento de indenização no valor de R$ 40 milhões pelo dano material causado, pela retirada de madeiras, implantação da monocultura da soja e e "outras práticas espoliativas, sem efetivo retorno às comunidades indígenas e com base na exploração de trabalho análogo à escravidão".
Segundo as apurações do MPF, a nomeação dos caciques e seus subalternos por chefes de postos da Funai se dava em troca de parte dos lucros obtidos em lavouras e serrarias. "Isso acabou por espelhar, dentro das comunidades, a organização militarizada: o cacique nomeado pelo chefe do posto indicava seu coronel, major, capitão, tenente, sargento e cabo, que policiavam a comunidade e garantiam a ordem ditada pelos interesses externos", aponta trecho da ação civil.
A ação civil pública foi distribuída à 9ª. Vara Federal de Porto Alegre, sob o nº 5013584-03.2024.4.04.7100, e o juiz do caso é Bruno Brum Ribas, que já determinou a citação dos réus. O processo judicial foi provocado por entidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi) e o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin).
A ação vai prosperar? Difícil. Há décadas o MPF também propõe condenações para agentes do aparato de repressão política envolvidos em tortura no Brasil, mas nenhuma ação chega a um desfecho - seja porque os réus estão mortos, seja porque alegam que a Lei da Anistia prescreveu seus crimes. O caso dos indígenas é diferente, claro, mas uma linha de defesa possível é que as espoliações de terra aconteceram décadas atrás e na época contaram com amparo legal. Do ponto de vista prático, muito provável que nenhuma das vítimas da época esteja viva para receber o dinheiro, até porque os governos costumam empurrar débitos transformando-os em precatórios (débito a ser saldado no futuro).
De qualquer forma, vem aí nutrida discussão jurídica sobre o dever de indenizar os brasileiros originais por parte do que lhes foi tirado. Caso queira saber mais a respeito, um livro conta tudo: Os Fuzis e As Flechas, do jornalista Rubens Valente, que mostra o drama dos indívenas brasileiros antes, durante e depois da ditadura militar.