Até o momento em que escrevo estas linhas, fim da tarde de quinta-feira (20), Porto Alegre completa nove dias sem homicídios. É digno de celebração. A noite pode ainda reservar alguma morte, mas nada disso eclipsará o fato de que desde 2015 as ruas da capital gaúcha não ficavam tanto tempo sem assassinatos. É o que mostra levantamento da Secretaria da Segurança Pública (SSP) repassado a este colunista.
De um mês para cá, por duas semanas não foram registrados homicídios em Porto Alegre. Fosse apenas este ano e poderíamos colocar o alívio na conta dos efeitos da pandemia. Menos gente nas ruas, menos mortos. Mas a queda nos homicídios é anterior ao coronavírus. Em 2019, por três ocasiões foram registradas calmarias de seis dias sem assassinatos: em maio, de 10 a 15, e em agosto, de 1º a 6 e de 24 a 29.
Entre 2015 e 2017, a Capital viveu cenário oposto. Os homicídios chegavam à média de três por dia, fruto de uma guerra de facções marcada por chacinas e barbarismos, como as decapitações. Desde então, os assassinatos vêm diminuindo de intensidade. E não apenas em Porto Alegre. Enxergo pelo menos três fatores que contribuem para isso.
O primeiro é o reaparelhamento e a modernização das forças de segurança, com cercamentos eletrônico, monitoramento de principais lideranças do submundo (dentro e fora das cadeias) e, em consequência, antecipação de crimes. Isso inclui maior atuação das guardas municipais, inclusive na Capital.
— Uma das estratégias do Programa RS Seguro, o foco territorial para o combate à criminalidade, previne esse tipo de crime. A redução de homicídios é uma das metas comuns a todos os 23 municípios prioritários desse eixo do programa. Os comandos das forças de segurança pública dessas cidades se reúnem, analisam os indicadores e definem estratégias de ação — comenta o Secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Junior.
O segundo é a exportação de líderes de facções para presídios de segurança máxima situados em outros Estados. Afastados das bases, eles perdem importância. E os chefetes ficam perdidos, tontos, no chamado efeito “barata voa”. Afinal, facções, como seitas, se organizam em torno de chefes.
A terceira razão plausível é que as próprias facções firmaram alguns pactos de não-agressão, com respeito a divisões territoriais do crime. As autoridades detestam admitir isso, mas aconteceu. Falamos com criminosos que comprovaram isso. Ao acertar regras, passaram a matar menos.
Lógico que não dá para deitar nos louros da conquista. Tudo indica que podem crescer feminicídios e homicídios passionais em geral, talvez em decorrência de acertos de conta entre enclausurados pela pandemia. Mas os números atuais já valem um brinde.