Jair Bolsonaro já não é unanimidade entre os apoiadores da Lava-Jato. A base de apoio da operação anticorrupção, que votou nele para evitar a vitória do PT, torce o nariz para as últimas indicações políticas do presidente para cargos regionais na Polícia Federal, na Receita Federal e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que formam o sustentáculo das investigações da Lava-Jato. Não satisfeito em mexer com esse trio de carreiras de Estado, Bolsonaro parece decidido a colocar como Procurador-Geral da República (PGR) alguém que o chame, na intimidade, de "Mito".
Corre em Brasília a informação de que o presidente pretende nomear para a PGR o subprocurador Antônio Carlos Simões Soares. Além de não estar entre os três mais votados pela categoria, está longe de ser muito conhecido e, pior que isso: teria sido indicação de Flávio, o filho-senador de Bolsonaro, justamente aquele que é investigado por suspeita de enriquecimento ilícito via contribuições de funcionários do gabinete. A afinidade com Bolsonaro seria por ter cursado a Escola Superior de Guerra (ESG).
Procuradores da República não querem ser vistos como apêndices da Presidência e acenam com possível boicote à escolha. Podem também decidir acelerar investigações sobre o grupo político presidencial.
Nem Luiz Inácio Lula da Silva, nem Dilma Rousseff e nem Michel Temer, mesmo sabendo que eram investigados, se atreveram a escolher dirigentes regionais dessas entidades ou interferir diretamente em investigações.
Já Bolsonaro declarou que o chefe da PF no Rio, Ricardo Saadi, será transferido por baixa produtividade e anunciou, para substituí-lo, Alexandre Silva Saraiva, um delegado de Manaus com quem tem proximidade. Só que isso não rolou. A PF sentou pé e o diretor-geral contrariou o presidente, dizendo que o Rio será chefiado pelo delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, atual superintendente em Pernambuco.
Ou seja, a PF bancou e ganhou a parada. Por enquanto.
Já na Receita Federal o caldo continua fervendo. Bolsonaro trocou nesta segunda (19) o "número 2" da corporação. Seis auditores fiscais que ocupam altas posições de chefia ameaçam entregar os cargos caso sejam efetivadas indicações políticas na superintendência do Rio de Janeiro e em outros postos chaves do órgão, informam fontes ligadas ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco). Um dos postos que Bolsonaro quer trocar é o de delegado da aduana de Itaguaí, porto por onde entram armas e saem drogas controladas pelas milícias do Rio. Os fiscais da Receita ganharam apoio do vice-presidente, Hamilton Mourão, na contramão do desejo de Bolsonaro - mas o presidente, assim mesmo, fez uma mudança decisiva.
Outra troca que Bolsonaro já conseguiu emplacar é no Coaf, justo o órgão que estranhou as movimentações financeiras de seu filho Flávio. A repartição passará para o Banco Central, embora estivesse, no início de governo, sob as asas do ministro da Justiça, Sergio Moro.
É mais uma derrota de Moro dentro do governo que ajudou a eleger. Ele jamais abençoou qualquer dessas trocas (seja na PF, na Receita ou no Coaf). Tudo isso soa como desprestígio ao ex-juiz, fundamental para que Bolsonaro chegasse ao cargo máximo da República.