Entornou o caldo da indignação nas duas maiores forças de combate a crimes em âmbito nacional, a Polícia Federal e a Receita Federal. Integrantes das duas corporações alertaram, nos últimos dias, para interferências diretas de Jair Bolsonaro em nomeações políticas para cargos estratégicos, sem critérios técnicos e que trarão prejuízo ao combate a delitos como contrabando e corrupção.
Ainda na quinta-feira (15), o presidente anunciou, de forma abrupta, a remoção do superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. "Motivo: questão de produtividade", justificou Bolsonaro, ao fritar o delegado. A troca de Saadi por um delegado de Pernambuco estava prevista, mas o presidente foi além e decidiu indicar outro preferido, à revelia da cúpula da PF. Falou que o Rio seria comandado por um policial lotado em Manaus.
A indicação provocou princípio de rebelião na PF. Entidades de policiais e delegados divulgaram notas de repúdio à "interferência política" nas nomeações e lembraram o princípio da irremovibilidade na carreira — justamente para evitar que critérios políticos se sobressaiam sobre os técnicos. Há suspeita de que o presidente esteja descontente com a possibilidade da PF investigar seu filho Flávio (senador, hoje na mira de procuradores de Justiça).
Mas Bolsonaro já cogita mudanças, no seu Estado natal (o Rio), em outro setor: a Receita. Bolsonaro reclamou, há três dias, de que sua família sofreu “uma devassa” dos auditores do Leão e sugeriu que podem haver trocas.
Na real, elas já começaram. Em mensagem de WhatsApp a colegas, o chefe da aduana do Porto de Itaguaí (região sul do Estado do Rio de Janeiro), José Alex Nóbrega de Oliveira, informou que será trocado por um auditor de Manaus "...que em 35 anos de Receita não tem passagem pela aduana e nem assumiu chefias". Na carta, que chegou à mídia, José Alex lembra que a região de Itaguaí é disputada por milícias interessadas em mercadorias vindas da China e em exportações para a Europa. Ele fala que teve de trabalhar com escolta de colegas fortemente armados.
"Tamanho era o problema que, em poucos meses, tínhamos no porto 856 contêineres bloqueados por todo o tipo de irregularidade. Essa quantidade de contêineres retidos ao mesmo tempo não tem parâmetro nacional", relata, no desabafo.
No porto de Itaguaí, entram todo mês 21 mil contêineres. São corriqueiras ali descobertas de drogas indo para a Europa e armas vindas da Ásia, que abastecem milícias e facções do tráfico no Rio. É nesse cenário complicado, alerta o delegado da Receita, que o presidente decide trocar vários cargos (não só de Itaguaí, mas de vários locais do Rio).
A carta de José Alex se espalhou feito rastilho entre membros da Receita e da PF. Auditores e policiais federais estão convencidos de que Bolsonaro quer dar o troco a quem ousou fiscalizar a ele ou seus familiares. E cobram do ministro da Justiça, Sergio Moro, um posicionamento a favor da independência da fiscalização. Moro permanece em silêncio.