A investigação sobre a natureza dos supostos elos entre milícias do Rio de Janeiro e a família do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o chamado caso Queiroz, teria tido papel de destaque na demissão do superintendente da Polícia Federal no Estado, delegado Ricardo Saadi. Foi a primeira vez que um diretor regional da PF foi afastado por uma declaração presidencial.
Bolsonaro vinha se queixando a interlocutores havia meses de que não confiava na atuação de Saadi, que não tinha ingerência direta sobre nenhuma investigação envolvendo o clã Bolsonaro, mas que agia em sintonia com quem lida com o assunto.
O jornal Folha de S. Paulo ouviu de um aliado do governo que o presidente Jair Bolsonaro considera que o tratamento dado às investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) é direcionado para atingir sua imagem. Um amigo de Saadi ouvido pela Folha disse que não ouviu nenhum relato de pressão direta sobre o delegado, apenas queixas vindas de emissários do Planalto sobre vazamentos e outros procedimentos que Bolsonaro considera constranger sua família.
Para ele, Saadi foi apenas um bode expiatório. Já outro conhecido dele levanta a especulação sobre o tipo de informação a que o superintendente teria tido acesso. A reportagem da Folha enviou uma mensagem pedindo entrevista com o delegado, mas ele não a respondeu.
O desgaste interno levou à decisão da chefia da PF de colocar Saadi, que assumiu em fevereiro do ano passado, na rotação natural de cargos da corporação. O processo vinha sendo conduzido com tranquilidade até que Bolsonaro interveio na quinta (15) e anunciou que o superintendente estava fora.
Para piorar o atrito, o presidente também disse que não aceitaria o substituto indicado para o cargo, o superintendente em Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira, e que gostaria de ver no Rio o delegado Alexandre Saraiva, chefe da PF no Amazonas.
Investigações no Rio de Janeiro
Em março do ano passado, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) levou a uma investigação da Polícia Civil que acabou sob intervenção dos militares que comandavam a segurança no Rio por suspeita de tentar tirar do foco o papel de milicianos na execução dela e de seu motorista, Anderson Gomes.
Por determinação do Ministério da Segurança Pública e da Procuradoria-Geral da República, foi criado um grupo na Polícia Federal para avaliar a suposta obstrução. A investigação é considerada um mistério em Brasília, ainda que sigilos telefônicos e fiscais tenham sido quebrados. A apuração teria andado em acordo com a coordenação de Saadi e com o Ministério Público do Rio.
Em paralelo a isso, operações policiais no Rio de Janeiro relacionaram ações de milicianos ao gabinete de Flávio Bolsonaro. Investigações revelaram que Fabrício Queiroz, ex-PM que era chefe de gabinete de Flávio, empregou parentes de milicianos no gabinete, inclusive mulher e mãe de um suspeito de executar Marielle e Gomes.
Em abril deste ano, o senador e mais 85 pessoas tiveram seus sigilos quebrados pela Justiça, e Flávio tentou levar a investigação em tribunais superiores. Em julho, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, concedeu liminar suspendendo os procedimentos porque eles se baseavam em dados do Coaf solicitados sem autorização judicial prévia -o tema ainda será debatido no plenário da corte.
Os Bolsonaro negam quaisquer ligações com milícias, ainda que historicamente tenham sido defensores em tribunas do papel delas para conter o tráfico em favelas fluminenses. Não há nenhuma ligação comprovada conhecida entre a família e a morte de Marielle.