Em meio aos gestos de interferência do presidente Jair Bolsonaro na chefia da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro, deputados ligados à instituição prometem reforçar no Congresso a articulação para fazer avançar uma proposta que garante autonomia funcional e administrativa à corporação.
Pauta encampada pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nesse sentido foi apresentada em 2009, mas nunca avançou na Câmara.
A redação sugerida altera a Constituição para estabelecer que uma lei complementar "organizará a Polícia Federal e prescreverá normas para a sua autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias".
Enquanto seus apoiadores dizem que a PEC garantiria mais recursos para as investigações da Polícia Federal e reduziria a exposição da corporação a interferências políticas, críticos dizem que o projeto é amplo demais e que a PF hoje já conta com um alto grau de autonomia. Além do mais, os contrários à matéria apontam que, como instituição armada do Estado, a PF precisa estar subordinada ao Executivo.
A proposição encontra-se hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e está sendo relatada pelo presidente do colegiado, deputado Felipe Francischini (PSL-PR).
Embora diga não ver relação entre a ingerência do presidente na instituição e a articulação em defesa da PEC, Francischini promete trabalhar "pesadamente" na aprovação do texto nas próximas semanas.
— Eu não acompanhei muito essa questão sobre a Polícia Federal do Rio. Mas essa PEC da autonomia da PF é de extrema importância. Eu sempre disse que eu estava esperando passar essa pauta econômica para poder trabalhar pesadamente na aprovação da PEC — diz o parlamentar paranaense.
O presidente da CCJ -que é filho do deputado estadual do Paraná e delegado licenciado da Polícia Federal Fernando Francischini (PSL)- afirma que nas próximas semanas vai definir se fica com a relatoria da proposta ou se a transfere para um outro parlamentar, para então colocar o tema em pauta no colegiado.
Outro que defende a aprovação da proposição é o deputado Felício Laterça (PSL-RJ), também delegado da PF. Ele diz não ver problemas na manifestação do presidente Bolsonaro que desatou a crise com a instituição, mas afirma que quer aproveitar a repercussão do caso para tentar impulsionar o projeto.
—Se (o presidente) pode destituir o ministro da Justiça, que é o chefe da PF, ele não pode opinar às vezes sobre um diretor ou sobre um superintendente no estado em que reside? — questiona o parlamentar.
Laterça pretende levar o tema diretamente a Bolsonaro:
— É uma bandeira que vamos levar ao presidente, até em relação ao ocorrido. Vamos falar também com o presidente da Câmara, reunir os outros colegas que são da PF, policiais, que entendem a relevância, para a gente pautar e conseguir essa tão sonhada autonomia — acrescenta o deputado.
As falas do presidente Bolsonaro indicando interferência na Superintendência da PF no Rio de Janeiro desencadearam uma queda de braço entre o Palácio do Planalto, a corporação e o ministro Sergio Moro (Justiça).
Desde a manhã de quinta-feira (15), o presidente tem dado sinais de intervenção na PF, o que causou perplexidade e desconforto no órgão.
Em pouco mais de 24 horas, Bolsonaro anunciou a troca do superintendente do Rio, Ricardo Saadi, que sairia por vontade própria nas próximas semanas, contestou o novo nome, de Carlos Henrique Oliveira, que já estava escolhido pela direção-geral da PF, e chegou a dar praticamente como certa a nomeação para o cargo de um delegado com quem tem contato desde que foi eleito, Alexandre Silva Saraiva.
Após uma forte reação da Polícia Federal, Bolsonaro arrefeceu e disse que "tanto faz" para quem vai ser o comandante da corporação no Rio. Ele, no entanto, manteve o que chamou de "sugestão" de Saraiva para o cargo.
—Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus, se vier o de Pernambuco tudo bem para mim — disse o mandatário.
Diante das falas de Bolsonaro, o presidente da ADPF, Edvandir Felix de Paiva, diz que "nunca foi tão clara" a necessidade de se votar a PEC da autonomia.
— Outros órgãos, como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal, têm autonomia administrativa. Eles que nomeiam os cargos internos sem precisar passar pelo governo. É isso que nós queremos para a PF, porque é um órgão de controle do Estado e não deveria passar pelo crivo do governo da vez — afirma Paiva.
Ele espera que as reações às declarações de Bolsonaro sejam um impulso para a matéria no Congresso.
— A gente tem que aprender justamente com esses episódios. Queremos criar a Comissão Especial e discutir quais são os limites dessa autonomia. Não queremos um órgão sem controle, mas sim avançar nesse assunto da autonomia da PF — conclui.
A PEC, no entanto, não é consensual dentro das diferentes carreiras da Polícia Federal. Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), argumenta que a PF já tem sua autonomia e que o texto proposto é "amplo e aberto" demais.
— É como se fosse um cheque em branco. Você não sabe quais são as regras e os limites —pontua. Segundo ele, a Operação Lava Jato é um exemplo da autonomia da PF.
Camargo também diz que há problemas na redação da proposta. Como exemplo, cita a retirada do trecho da Constituição que classifica a Polícia Federal como "órgão permanente", o que para ele seria um retrocesso e enfraqueceria a instituição.