A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Gabriel Marty, 39 anos, ainda era criança quando assistiu a uma prova de Freio de Ouro pela primeira vez. O encontro, conta, foi o início “inexplicável” de uma relação de amor pelos cavalos, que anos depois o levaria a integrar o conjunto mais vencedor da história do prêmio.
Entre aprender a montar e se tornar campeão, o ginete estudou Medicina Veterinária, sem nunca tirar do foco a paixão pela raça. E foi assim que se tornou o primeiro tricampeão da história do Freio de Ouro – fora uma lista extensa de outros títulos, no Brasil e fora dele.
O feito inédito veio diante de uma plateia vibrante que tomou o parque Assis Brasil, em Esteio, no encerramento da última Expointer. Montado no cavalo Colibri Matrero, Marty levantou, pela terceira vez, o maior prêmio da raça crioula, que celebrava também a sua 40ª edição.
- Foi um Freio dos sonhos – resume o tricampeão.
Na entrevista a seguir, conheça a trajetória do ginete e os bastidores do título especial.
Como nasceu a paixão pelos cavalos?
Quando eu tinha entre 13 e 14 anos, o meu pai me levou à Expointer pela primeira vez. Ele me levou para ver o Freio de Ouro e lembro daquilo me encantar de uma forma a ponto de eu querer fazer o que aquelas pessoas estavam fazendo. E a minha vida foi indo assim, até eu ter a oportunidade de ir para um centro de treinamento para aprender. Eu tinha 16 anos, e passei umas férias de verão da escola treinando lá. Foi quando puder conhecer a fundo. No ano seguinte, eu saía da escola ao meio-dia, pegava um ônibus de linha rural que ia de Uruguaiana a Barra do Quaraí, almoçava no ônibus mesmo e passava a tarde neste mesmo centro de treinamento, que ficava a 30 quilômetros da cidade. Fiz isso durante um ano. Era uma coisa inexplicável! Sou filho de pai médico cardiologista e de mãe assistente social, então não tínhamos influência do cavalo na nossa família. Essa paixão, tanto minha quanto do meu irmão, é algo que não tem explicação.
O seu contato sempre foi com cavalos da raça crioula?
Sim. Claro que nas fazendas o contato que se tinha na época era com cavalos mestiços para o trabalho com gado. Quando tive a oportunidade de fazer o treinamento e de ver o Freio foi que começou a minha paixão pelo cavalo crioulo. Nunca trabalhei com outras raças.
E como se tornou ginete?
Quando terminei a escola, tive que morar um ano em Porto Alegre para fazer vestibular. Meu pai sempre exigiu isso de mim e dos meus irmãos. Mas disse para ele que eu queria ser ginete. Então fizemos um combinado: eu me formaria numa faculdade e depois de formado decidiria o que fazer da vida. Fiz vestibular na PUC de Uruguaiana, que ainda existia na época, e sugeri ao meu pai um acordo: eu me formaria na faculdade e ele me ajudaria a construir um galpão de cavalo. E assim foi. Em quatro anos e meio me formei médico veterinário, entreguei o diploma ao meu pai e pedi o meu galpão (risos). Ele me ajudou a construir o espaço, que tinha oito cocheiras. Compramos um cavalo, as pessoas começaram a me conhecer, a carreira andou e chegamos até aqui.
Como as competições te levaram ao Freio de Ouro?
A primeira égua que levei para o Freio foi uma égua chamada Pinguancha da Tuna, de duas pessoas de Alegrete que me viram correndo com o cavalo que até então o meu pai tinha comprado para eu competir. Pego essa égua, consigo me dedicar muito e vou à minha primeira final, em 2008. Depois dessa primeira final, várias outras pessoas me procuraram. Foi uma vitrine. Várias famílias me apoiaram e me ajudaram muito no meu início.
Como é ter visto a prova ainda criança e hoje ser o único tricampeão do Freio?
Eu me sinto abraçado por Deus. Não tenho outra forma de descrever isso. A última volta que o Colibri fez correndo na final de Esteio, que certamente foi a última vez que ele competiu naquele palco, se tornando o cavalo mais vitorioso da história do Freio... eu tive a sensação, naquele momento, de ele voar. Algo um pouco indescritível, até fantasioso, mas foi a sensação que eu tive.
Como começou a parceria com o cavalo Colibri Matrero?
Em maio de 2017, eu estava correndo uma final do Freio de Ouro da Argentina, em Palermo, onde o proprietário Juan Peirano, que é o dono dele, me chamou para experimentar um cavalo na Estância Santa Eufemia, que é onde fica a cabanha La Pacifica, em Paysandu, no Uruguai. Marcamos uma data e fui a Paysandu. Desde a primeira vez que pude montar nele... não tem muita explicação, foi algo que vou voltar a Deus, porque acho que Deus o colocou na minha vida, mas de alguma maneira também me colocou na vida dele. Era para ser, a história está aí, e hoje nós somos o conjunto mais vitorioso de toda a história.
Como define o Colibri?
O Colibri é mágico. É único. É o animal mais impressionante em toda a história da raça como competidor.
O que representa ser o único tricampeão do Freio de Ouro?
Representa um momento muito único da minha carreira, mais do que um sonho. Nem nos meus melhores sonhos eu pensei escrever uma página tão importante da história. Representa ser grato a todas as pessoas que me ajudaram a chegar até aqui, desde o início da carreira.
Qual foi o ponto alto da prova? O que mais marcou?
Foi uma prova mágica. Jamais tínhamos visto um cavalo que todo o público queria ver vencedor de novo. Cada vez que eu entrava em pista era uma emoção muito grande, as pessoas aplaudiam. Esse Freio, em relação ao Colibri, foi mágico pela energia que as pessoas depositaram nele. Foi, certamente, um Freio dos sonhos.
A empolgação da plateia ajuda ou deixa a competição mais tensa?
Eu me preparei muito para tentar o tricampeonato. E sabia que ia ser dessa forma, que as pessoas iam fazer como fizeram... nas redes sociais, antes mesmo de começar a prova, já era algo indescritível o que as pessoas estavam torcendo por ele. Eu jamais me permitiria não estar no auge da minha concentração.
Quais outros títulos ainda gostarias de conquistar?
Pretendo competir por muito tempo ainda, ganhar mais Freios de Ouro. Se a carreira do Colibri não terminou, certamente já está perto do fim, e em Esteio ele já não volta mais. Mas o Gabriel Marty continua e vamos por mais! Esse foi o oitavo Freio ganho. Foram quatro de ouro, dois de bronze, um de prata e um de alpaca. Já foram seis bocais conquistados também. E ganhei três Freios uruguaios, dois Freios na Argentina... mas falta bastante ainda (risos).
Como se tornar um campeão?
Trabalhar, trabalhar, trabalhar, e quando achar que está cansado, trabalhar mais um pouco. Não há outra forma. A rotina de treinos é diária. No centro de treinamento não tem sábado, domingo, feriado, não tem chuva. Nunca para. Para quem quer começar e fazer uma carreira, não há outra fórmula de sucesso.
Que habilidades um bom ginete precisa ter?
Acho que precisa ter um dom. Mas só o dom não é suficiente. A dedicação e o trabalho por várias vezes superam o dom. Tem que trabalhar muito para ajudar esse dom.