— Ali está ele — indicou Igor Santos, 23 anos, cuidador de uma égua que não competiu com o Colibri Matrero, identificando com admiração o trote do cavalo campeão de longe, minutos antes da final do Freio de Ouro 2022, neste domingo (4), último dia da Expointer.
O crioulo de pelagem preta e reluzente não passava despercebido em nenhum canto da arena de provas. A 40ª edição se tornou ainda mais histórica depois que Colibri e seu ginete Gabriel Marty, brasileiro da cabanha uruguaia La Pacífica, conquistarem um tricampeonato inédito entre os cavalos.
No local onde os 40 conjuntos finalistas se encontravam antes e depois de cada prova, o clima era de companheirismo. Abraços e cumprimentos efusivos uniam quem gritava de alegria pelo desempenho de todos animais na areia de competição.
Mais uma vez, Matrero conquistou a dianteira apenas no dia decisivo. O pódio masculino foi composto pelo freio de prata, Guarani 61 da Sorsul e o de bronze, Campana Echo a Mano.
Entre as éguas, o título ficou com a Acquavia, comandada pelo ginete Eduardo de Quadros, da cabanha Capanegra, de Montenegro. A égua Labareda da Maior ficou em segundo lugar, e a outrora renegada Índia Guapa, em terceiro.
Bronze com sabor de ouro
De raros olhos brancos azulados e pelagem colorada, a égua Índia Guapa não parecia levar jeito para a coisa. Dois centros de treinamento aconselharam os donos do animal a deixá-lo "para dar cria" - ela chegou a ter dois filhotes entre 2017 e 2019. Apenas aos 8 anos de idade, três depois do que normalmente os cavalos começam a competir no Freio de Ouro, a Índia encontrou quem apostasse nela mais uma vez.
— Um dia vi ela correndo no campo e achei linda, acreditei que pudesse tentar montar ela de novo — relembra Charles Sum Fagundes, 34 anos, com a Guapa há dois.
O ginete também foi encontrado pelo animal. Charles, natural de Bagé, trabalha com cavalos desde 2005. Desde 2009 frequentava as finais do Freio de Ouro sem subir ao pódio. No lombo da Índia Guapa e com o apoio de amigos de Carazinho, chegou às últimas duas provas como líder do ranking.
— Quando comecei a trabalhar com ela percebia algum receio dela ao obedecer nossos comandos, isso que impedia o treinamento dela. Crescemos muito, e eu sabia que se caprichasse na mangueira, cresceria ainda mais nas outras duas provas, pois são tarefas nas quais ela é muito cumpridora — projetou o ginete, antes de ser ultrapassado por dois concorrentes e ficar com o Freio de Bronze.
Ao longo de toda manhã do domingo, o amigo Igor Santos da Silva, 23 anos, ex-cuidador de Índia, acompanhou o irmão e o sobrinho de Charles nos cuidados com a atleta de quatro patas. Dócil como os crioulos do Freio de Ouro devem ser, ela não se espantou nem mesmo quando o repórter sem nenhum costume com equinos se aproximou para entrevistar o ginete. Nas provas de Bayard Sarmento e Paleteada, ela cumpriu sua parte do trato com Charles e retribuiu o carinho da Cabanha Tombini
— Só tenho a agradecer, ela defendeu meu ano. Estou muito feliz por ter apostado nela e por ela ter crescido como eu esperava que cresceria nesta final — declarou Charles, que também monta outros animais da cabanha, entre lágrimas e abraços de colegas, depois do resultado ser oficializado pela organização nos alto-falantes.
O alívio e a comemoração
Antes de ouvir as notas dos últimos concorrentes da paleteada, Charles vivia a expectativa de estar no pódio mas ainda poder ser ultrapassado. Mesmo com a quarta colocação, o pior cenário daquele momento, a alegria já estava garantida. Apeou de Índia, saltou a cerca de madeira e deixou os abraços para depois. Sacou um cigarro da carteira e queria fumá-lo.
Antes de conseguir o isqueiro, a confirmação do resultado histórico para o conjunto trouxe uma descarga de alívio. Com o cigarro entre os dedos e um sorriso ocupando o lugar dele na boca, foi puxado pelos companheiros e alertado que precisaria desfilar uma última vez pela mangueira da arena. O trajeto que fizera duas vezes pressionando as costelas de um novilho agora seria um agradável passeio inédito, sem pressa nem pressão, como o terceiro melhor ginete de éguas crioulas do Rio Grande do Sul.
Aplaudido, acenou de volta para a multidão com o chapéu, sem nem lembrar onde tnha guardado o cigarro naquele momento. De volta aos amigos, mais abraços, outra enxurrada de lágrimas agradecimentos a todos os envolvidos na campanha. Participavam da festa entre cavalos na pista secundária de areia o irmão e o sobrinho, a esposa e cuidadores de Índia.
— Preciso de uma água — disse Igor, iniciando o movimento em direção a geladeira da cabanha.
— E eu preciso de fogo — insiste Charles, encontrando, finalmente, junto a um assento onde pôde parar e assimilar o que acabara de viver.