A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Ajudar o produtor a buscar certificações e os mercados possíveis com os alimentos orgânicos por ele produzidos fazem parte da atividade exercida pelo consultor em agricultura ecológica Laércio Meirelles. Agrônomo de formação, o profissional é coordenador da Rede Ecovida, entidade com atuação na região Sul e pioneira na certificação pelo Sistema Participativo de Garantia (SPG), reconhecido pelo Ministério da Agricultura. O SPG garante a qualidade orgânica da produção e tem servido de inspiração para outros países. Nas feiras de orgânicos de Porto Alegre, por exemplo, muitos feirantes são certificados pelo sistema.
Mirando a agricultura do futuro, Meirelles defende a adoção de estratégias que aproximem a produção e o consumo e que priorizem as práticas sustentáveis.
– Se queremos um sistema agroalimentar que possa atender às demandas contemporâneas, devemos caminhar no sentido de incorporar princípios da agroecologia – diz.
Conheça mais sobre o seu trabalho e trajetória na entrevista a seguir:
Qual a sua formação e como se aproximou do agro?
Graduei-me em Agronomia na Universidade Federal de Viçosa (UFV) em 1987. Em 1996 cursei, na Espanha, uma especialização em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Dediquei minha vida profissional à assessoria e formação em agricultura ecológica.
Como é o trabalho de um consultor em agricultura ecológica?
Ao longo das décadas, através do Centro Ecológico, trabalhei com milhares de famílias agricultoras no Sul do Brasil, em vários outros estados e em dezenas de países, em todos os continentes. Minha prioridade sempre foi trabalhar com famílias agricultoras, camponesas, assentados da reforma agrária, povos e comunidades tradicionais. Uma vez convidado, atuo com suas organizações em processos de conversão para agricultura orgânica e transição agroecológica, envolvendo tanto a produção quanto a certificação e construção de mercados mais adequados a cada realidade.
O que é o Sistema Participativo de Garantia?
É uma feliz invenção brasileira, hoje praticada em quase cem países. Consiste em garantir a qualidade orgânica da produção com um método que prevê a participação de quem atua na produção, na assessoria e no consumo. Essa forma de certificação está prevista no marco legal brasileiro para agricultura orgânica e tem servido de inspiração para outras realidades.
Como se dão as certificações?
No caso dos sistemas participativos de garantia, ocorrem basicamente através do aval cruzado entre quem produz, com a colaboração de quem assessora ou mesmo consome. Ou seja, através de um método detalhadamente descrito na legislação, famílias, organizadas em grupos, avaliam e avalizam o trabalho umas das outras. Uma vez fazendo jus, ao final do processo a unidade produtiva é considerada orgânica e ganha seu certificado.
Se queremos um sistema agroalimentar que possa atender às demandas contemporâneas, devemos caminhar no sentido de incorporar princípios da agroecologia.
LAÉRCIO MEIRELLES
Consultor em agricultura ecológica
Qual a abrangência do trabalho da Rede Ecovida?
A Rede Ecovida de Agroecologia surgiu em 1998 e atua nos três estados do Sul, contando com a participação de mais de cinco mil famílias que se organizam em 34 núcleos regionais que, por sua vez, aglutinam centenas de grupos informais, associações e cooperativas. A Rede Ecovida trabalha para estimular a produção e consumo de produtos orgânicos, produzidos de acordo aos princípios agroecológicos. Ela é credenciada pelo Mapa como um Sistema Participativo de Garantia.
Como promover a agroecologia?
Há dois movimentos que considero importantes. O primeiro, estimular uma maior percepção da sociedade sobre as razões pelas quais deveria apoiar a agroecologia. Essas razões passam por preservar e recuperar a saúde, das pessoas e do planeta, por preservar modos de vida sustentáveis e solidários e por respeitar a diversidade em todos os seus matizes. Outro movimento é um conjunto de política públicas que fomentem a agroecologia. Entendo que temos dois problemas gravíssimos hoje no planeta: a fome e a emergência climática. A agroecologia já possui um referencial pratico e teórico para ser proposta como parte das soluções destes seríssimos problemas. Os estados devem promover estudos e práticas com esse enfoque.
Há espaço para crescer?
Há. Cada vez mais a população associa alimentação e saúde, se alimentar de forma saudável vem tornando-se um imperativo. O modelo agrícola nacional necessita de uma transição agroecológica. Urgente, mas, obviamente, planejada. Devemos refletir se realmente é exitoso um modelo que bate recordes de produção, mas não alimenta adequadamente a população, hoje somos assustadores mais de 30 milhões de pessoas com fome. E, ainda, não preserva nossos biomas para os que virão depois de nós.
Qual acredita ser o futuro da agroecologia?
Se queremos um sistema agroalimentar que possa atender às demandas contemporâneas, devemos caminhar no sentido de incorporar princípios da agroecologia. Agricultura de biomassa, tendo o sol e não o petróleo como principal fonte de energia. Estratégias de abastecimento que aproximem o produzido dos locais de consumo. Divisão mais justa dos benefícios compartilhados pela produção agrícola. São três, dentre outros, dos princípios que devem orientar o futuro agroecológico que precisamos construir. Estou convencido que o futuro da agroecologia é ser o eixo orientador da agricultura que o futuro clama e necessita.