Nome tradicional nas pistas de remates dentro e fora do Estado, o leiloeiro Marcelo Silva, completa 50 anos de carreira em 2021. O marco da longa e bem-sucedida trajetória, que começou nas brincadeiras de criança, está longe, no entanto, de indicar uma aposentadoria próxima.
— Eu, se me aposentar, durmo uma semana ou me internam, porque não consigo parar quieto — conta Marcelo.
Daquela que foi a primeira venda feita, em 11 de junho de 1972, ao mais recente trabalho, ele acompanhou as transformações tanto da pecuária quanto da atividade. Inovou com a fase do “leilão show” e buscou novas ferramentas para a entrada no meio eletrônico: primeiro, a transmissão via televisão. Depois, os eventos online, que “nunca mais voltarão para trás”, avalia Marcelo.
Nesse período todo, a voz se manteve como o maior ativo do profissional, que dispensa cuidados especiais antes e durante os leilões. Tudo para preservar o instrumento que traz não só as informações, mas também as emoções das vendas de bovinos de corte e de cavalos, segundo a segundo. Mais do que uma carreira, o leiloeiro diz que tem nas pistas de negócios um ambiente em que se sente “em casa”.
— No momento de leiloar, fisicamente, não me sinto trabalhando, me sinto brincando, de tão à vontade com o que faço — assegura.
Neste Profissão Agro, confira como o DNA campeiro se converteu em atividade profissional com cinco décadas de infindáveis aprendizados.
A origem campeira influenciou a escolha da profissão?
Isso está no meu DNA. Meu avô materno era um homem do campo que se fez do nada. Filho de ferreiro, teve propriedade na cidade uruguaia de Young, e era leiloeiro. Morei com ele até os seis anos. Foi quando voltamos para Uruguaiana, onde meu avô paterno tinha fazenda e já realizava remates. Meu pai conheceu minha mãe acompanhando o meu avô paterno na busca por um reprodutor (touro com aptidão reprodutiva) no Uruguai. No retorno, em 1959, meu pai enxergou uma oportunidade de negócio e resolveu começar a leiloar. E foi procurar recurso de como falar. Ficou seis meses estudando dicção no Rio. Em parceria com um cunhado, abriu, no início de 1960, a Trajano Silva e Hermes Pinto, especializada em remates. Depois, a sociedade se desmanchou e surgiu a Trajano Silva Remates.
Passou a acompanhar os eventos da empresa?
Foi algo natural acompanhar o meu pai. Com 14 anos, comecei a fazer leilão de brincadeira. E em 11 de junho de 1972 foi o leilão que eu considero “o marco zero”. Foi um evento importante à época; era uma liquidação de gado hereford (raça britânica), com uma demanda muito grande. O pai tinha certeza de que venderia. Ele vendeu o primeiro lote e passou para mim.
A primeira grande transformação (do leilão) foi a transmissão
MARCELO SILVA
Leiloeiro, diretor-presidente da Trajano Silva Remates
E como foi depois dessa prova de fogo, por assim dizer?
Saí de salto, me achando “o cara”. A Expointer veio logo em seguida. Éramos bem situados no gado de corte, mas não no de leite. Meu pai me nomeou diretor-geral de gado de leite na Expointer. Mas não vendi nenhuma vaca, ninguém nos consignou (animais) porque não tínhamos tradição no meio. Foi ali que conheci o José Ronald Bertagnolli, da cabanha Butiá. Fui ficando amigo dele e, no ano seguinte, já tinha animais para vender. Foi uma lição. Meu pai tinha essa questão de humildade, de respeito às coisas.
Na sua opinião, que características fazem um bom leiloeiro?
O dom e o gosto. Claro, a voz é fundamental, mas sem o dom e a vontade de vender, pode fazer curso que não formará um leiloeiro completo. Hoje, como em todas as profissões, temos figuras de diferentes níveis. É gostar do que se faz. Daí leva mais tranquilamente a coisa. Tinha e tenho o gosto.
Em 50 anos, que transformações teve atividade?
A primeira grande transformação foi a transmissão, o que remonta ao Canal Rural. Possibilitou a compra sem a pessoa precisar sair de onde estava, porque podia ver o animal e ter as informações técnicas necessárias. Os leiloeiros tiveram de se adaptar à nova modalidade e meio que virar um artista de televisão, de show. E conseguir desempenhar bem pelo público presente e da telinha, para que não ficasse monótono. Outra coisa é o grau de informação oferecida ao comprador. Primeiro, era só o número do animal, depois quem eram pai e mãe, e hoje chegamos a coisas como a potencialidade genética do produto, grau de marmoreio. Fiz vários cursos para aprender o que é marmoreio, gordura do olho de lombo. São coisas que a tecnologia dentro da pecuária foi desenvolvendo e que o leiloeiro tem saber.
Tem algum ritual para o leilão?
Ao longo do ano procuro usar muito mel e limão. Em alguns leilões, de longa duração (chegou a fazer um que falou ao longo de nove horas), procuro ter um pouco de mel em um copo misturado com limão. E também bananas, para evitar cãibras e para outro ainda outro objetivo. Aprendi com meu pai a deixa r para comer depois do leilão.
Qual o futuro da profissão?
O leilão virtual só vai aumentar. Cada vez mais o leiloeiro terá de estar inserido na parte digital, e poucos serão os remates presenciais. Há ainda a concorrência do corretor informal. Com o advento do virtual, nivelou muito a qualidade dos leiloeiros. Aquela coisa de encantamento que um bom leiloeiro pode e deve exercer em seu público se perdeu um pouco.