No ritmo do comportamento do consumidor na pandemia, o leite do Rio Grande do Sul engatou uma alta que chega a um momento histórico: o valor projetado para o litro de leite em agosto é de R$ 1,5082 . É a maior quantia paga em 14 anos, desde o início da série histórica do Conseleite, conselho paritário que se reúne mensalmente para apontar uma referência de preços pagos pela indústria aos produtores.
O cálculo é feito a partir de indicadores que vêm do mercado, em um mix de produtos avaliados, incluindo leite UHT, em pó e queijos, em um levantamento feito pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Entre janeiro e agosto, o produto longa vida teve aumento de 19,34%.No mesmo período, o queijo muçarela subiu 20,46%. Só em agosto, esse ingrediente ficou 6,31% mais caro, explica Rodrigo Rizzo, presidente do Conseleite.
— O mercado está aquecido. Nunca atingimos esse valor, o que é compreensível no momento atual. A dúvida agora é se essa valorização terá seguimento ao longo do ano — pontua o professor da UPF e responsável pelo levantamento do Conseleite, Marco Antonio Montoya.
O valor projetado para este mês é 3,83% acima do consolidado de julho (R$ 1,4526). Rizzo avalia que os preços maiores devam se manter, mesmo com a entrada da safra de leite — agosto e setembro são os meses de pico da produção gaúcha. A projeção tem como base um dos fatores de sustentação dessa alta:
— Estamos tendo uma crise de oferta. As pessoas estão comprando, mudou o hábito de consumo da família.
Mais em casa em razão do distanciamento social, o apetite por lácteos e derivados cresceu, reforçando essa valorização. Cenário oposto daquele verificado no advento da pandemia. O fechamento de restaurantes causou redução drástica no consumo de itens como queijo. Os pequenos laticínios viram seus estoques aumentarem, e a solução encontrada foi vender cerca de 40% do volume captado diariamente para indústrias usarem no processamento de leite UHT e em pó.
Com a retomada dos serviços, no formato de entrega, e com refeições sendo preparadas nos lares, a curva se inverteu. Vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), Eugênio Zanetti vê no atual momento a chance de o produtor de leite "recuperar um pouco do prejuízo que vem amargando nos últimos anos". O desestímulo fez com que muitos abandonassem a atividade — entre 2015 e 2019, o recuo foi de 40%:
— A gente espera que esse preço continue.
Tanto produtor quanto indústria fazem a ressalva de que o custo de produção também subiu. Grãos que entram na alimentação dos animais têm registrado cotações históricas em 2020.
— É um momento justo para o setor em função dos custos. O setor lácteo está passando pelo seu pico de produção e captação, e o preço está em um patamar adequado, que reflete o cenário e o auxílio-emergencial concedido pelo governo — afirma Alexandre Guerra, presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Estado (Sindilat-RS) e vice-presidente do Conseleite.