Há muita confusão e falta de precisão na notícia de que autoridades de Shenzen, na China, detectaram o vírus da covid-19 em amostras analisadas de asas de frango congeladas produzidas no Brasil. O Ministério da Agricultura não foi notificado do problema pela Administração Geral de Aduanas da China ( GACC, na sigla em inglês), que é a instância máxima de sanidade no país asiático. De toda forma, o estrago está feito. Ao apresentar a possibilidade, os chineses dão o conveniente benefício da dúvida em relação ao produto brasileiro.
E, na hora da resposta, todo o cuidado é pouco. É preciso ser firme, sem ser grosseiro ou leviano. É de uma relação comercial que se está falando, e não de uma briga entre amigos. A China tem peso cada vez maior nos embarques do setor de proteína animal brasileiro — foi destino de 16% do frango e 48,6% da carne suína exportada até julho deste ano. Ao mesmo tempo, os negócios são fundamentais para o país asiático, que teria dificuldade de encontrar outro fornecedor com capacidade de atender a sua demanda.
Há dois agravantes nesse cenário. A opção lógica de buscar o produto nos Estados Unidos, maiores produtores mundiais de frango, entre outras grandezas, está comprometida pela arrastada e truncada guerra comercial entre as duas superpotência. Além disso, os chineses seguem sob efeito — e continuarão por alguns anos — da peste suína africana. A doença dizimou o rebanho local de suínos.
Não se pode esquecer também que os chineses aplicam, desde 2019, uma tarifa — de 0,5 a 1 yuan por quilo, dependendo do corte — sobre a proteína brasileira. A taxação foi resultado de uma investigação iniciada pelo governo chinês em 2018 de dumping (venda de bens ou serviços em preços abaixo dos de mercado ou abaixo dos valores dos custos de produção) pelo Brasil. O pais asiático é o segundo maior produtor mundial de frango.
Há especulações de que o movimento iniciado com a desabilitação de unidades exportadoras, sob o argumento da multiplicação de casos de covid-19 entre trabalhadores do setor, é uma forma da China barganhar. E pode até ser mesmo. O que não exime o Brasil de estar com suas responsabilidades em dia. É preciso ir a fundo, esclarecer de fato o que houve nesse episódio. E tornar público da forma mais transparente possível.
A tarefa de negociação caberá mais uma vez à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que chamou para si a responsabilidade diplomática dentro do governo federal de lidar com importantes mercados, justamente por saber do peso de cada um e da forma adequada com que se deve lidar com eles.