O jornalista Daniel Giussani colabora com a colunista Giane Guerra, titular deste espaço
Com a falência decretada pela Justiça, começa a surgir dúvidas sobre o futuro das lojas físicas da Livraria Cultura. A empresa ainda tem duas operações em funcionamento pelo país. Uma em São Paulo e outra em Porto Alegre, no shopping Bourbon Country. O principal questionamento é se elas fecharão de imediato. A coluna consultou dois advogados especializados em reestruturação de empresas para saber quais serão os próximos passos do processo.
No entendimento do advogado Guilherme Caprara, sócio da Medeiros, Santos e Caprara Advogados, escritório gaúcho que trabalha com reestruturação de empresas, via de regra, o próximo passo já seria a lacração das lojas físicas. Esse é o termo usado para se referir ao fechamento das operações.
— O próximo passo deve ser a lacração dos estabelecimentos deles. Não há um prazo específico na lei, mas na lógica, decretada a quebra, nomeado o administrador, o passo seguinte é lacrar o estabelecimento, arrecadar os ativos (os bens) e, posteriormente, começar a venda, a liquidação dos ativos para credores, em leilão — explica Caprara.
A questão, porém, é que pode haver o entendimento de que a manutenção das lojas abertas seria melhor para arrecadação da companhia. Por isso, para advogada fundadora do escritório Laís Lucas Advogados Associados e professora de direito empresarial da PUCRS, Laís Lucas, não dá para afirmar que as lojas fecharão "em breve". Segundo ela, é feita, antes, uma análise entre o administrador judicial e o juiz para avaliar o que causará menos "custos" para a companhia: fechar a loja ou mantê-la aberta para vender os livros.
— É possível, pela legislação, que a falida continue em operação se isso reduzir os prejuízos. Se eles já têm os livros para vender, e conseguirem vendê-los, talvez seja vantagem manter aberto. Mas também é calculado se não é melhor fechar as lojas e parar de pagar o aluguel. Será feito análise do que é menos oneroso e o que é mais proveitoso. A palavra que a legislação utiliza é a otimização do ativo. O que será possível fazer para otimizar o ativo — ela explica.
À coluna, a Livraria Cultura enviou uma nota dizendo que recebeu a informação da falência com "grande surpresa":
"Nesse momento iremos analisar a decisão do juiz, mas pretendemos recorrer, pois entendemos que há soluções mais apropriadas à empresa, buscando sua recuperação, que não a falência", disse. Também confirmou que as operações físicas e o site "mantém-se normalmente em funcionamento".
Caso ela de fato recorra, pode, também, pedir um efeito suspensivo para manter as atividades funcionando. Para Caprara, porém, as chances do recurso ser aceito, ainda mais com efeito suspensivo, são baixas.
A empresa apontou a queda de vendas de livros e a crise econômica brasileira desde 2014 como os motivos que levaram à recuperação judicial, ativa desde 2019. À época, declarou ter R$ 285,4 milhões em dívidas. A companhia terá dois dias para identificar e avaliar seus bens. Podem ser vendidos imóveis, estoque e até sua marca.
A Livraria Cultura funciona no Bourbon Country desde 2003. É uma operação conhecida no setor como "megaloja". Tem dois andares, um auditório e uma loja interna só com produtos "geek". A arquitetura também chama a atenção. Na decisão de falência, o juiz Ralpho Waldo De Barros Monteiro Filho cita a notoriedade da companhia para "a economia, para as pessoas, para a sociedade, para a comunidade não apenas de leitores, mas de consumidores em geral". A coluna também destaca o trecho em que ele cita um "certa tristeza" em reconhecer que não houve êxito para superar a crise:
"É de todos também sabida a impressão que a Livraria Cultura deixou para o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, que a descreveu como uma linda livraria, uma catedral de livros, moderna, eficaz e bela. Mas a despeito disso tudo, e de ter este juízo exata noção desta importância, é com certa tristeza que se reconhece, no campo jurídico, não ter o Grupo logrado êxito na superação da sua crise".
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br) Leia aqui outras notícias da coluna