Quando o juro do cheque especial foi limitado a 8% ao mês, a mesma resolução do Conselho Monetário Nacional autorizou os bancos a cobrarem uma mensalidade por disponibilizar o dinheiro, que nada mais é do que um empréstimo pré-aprovado. Com medo de perder clientes, muitos estão anunciando que não implementarão a tarifa. Só que a coluna começou a receber nessa segunda-feira (6), mesmo dia em que as novas regras passaram a ver, dezenas de relatos de ouvintes e leitores que tiveram seus limites do cheque especial elevados sem terem sido consultados.
Isso é ilegal. Já era antes, com decisões judiciais de abrangência nacional determinando que o aumento do valor disponível no cheque especial só pode ocorrer com autorização prévia e expressa do cliente. Relembre aqui quando a coluna publicou uma sentenção da Justiça do Rio Grande do Sul: Em caso de Porto Alegre, banco é proibido de aumentar limite da conta sem cliente autorizar
E mais, essa proibição foi reforçada na própria resolução do CMN que limitou o juro do cheque especial e permitiu a cobrança da tarifa mensal. Um trecho do texto enfatiza, inclusive, que é preciso obter a autorização prévia a cada vez que em que a instituição propor a elevação.
"§ 2º A alteração de limites de que trata o caput, quando não realizada por iniciativa do cliente, deve, no caso de:
(...)
II - majoração, ser condicionada à prévia autorização do cliente, obtida a cada oferta de aumento de limite.", determina trecho da resolução 4.765, publicada no Diário Oficial da União em 28 de novembro de 2019.
Portanto, não é por desconhecimento. Parece que os bancos estão se fazendo de desentendidos. Não importa que a possibilidade de aumento esteja no contrato, já que o documento não pode ir contra o que é determinado em decisões judiciais e na lei.
Tomar tal medida estimula o superendividamento, que é exatamente o que o teto do juro do cheque especial buscou combater, reduzindo a bola de neve da linha de crédito mais cara do mercado. Relato de uma leitora:
— Eu tinha um limite baixo, de R$ 400, para não gastar tanto. Fui olhar e ele aumentou para R$ 1,2 mil.
Para compensar o lucro menor obtido com a redução da taxa, as instituições estão aumentando a base de cálculo sobre a qual ela incide. Além de descumprir a lei - o que nem se discute -, o banco está abrindo espaço para a inadimplência, o que não é saudável para o consumidor e nem para o sistema financeiro.
— Não se pode exigir do consumidor que monitore sua conta bancária diária ou periodicamente — diz trecho da decisão da juíza Thaís Giustina no caso citado acima pela coluna.
O cliente não é obrigado a usar o cheque especial, realmente. Mas, quando o banco aumenta esse valor disponível, o consumidor tende menos a procurar outras formas não tão caras de empréstimo e até mesmo de organizar as finanças.
Há órgãos de defesa do consumidor que podem ser buscados para registrar a reclamação, caso o banco aumente o limite sem autorização e se negue a reduzi-lo quando solicitado. No entanto, no caso do setor financeiro, queixas diretas ao Banco Central têm se mostrado mais eficientes. Por mais que a autoridade não atue no caso individual, os bancos são informados do problema e buscam resolvê-lo. Até mesmo porque o Bacen divulga rankings periódicos das instituições mais reclamadas.
A coluna está entrando em contato com os maiores bancos em busca de um posicionamento. Também questionou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que representa o setor, e recebeu a nota abaixo:
"De forma geral, os limites de crédito são estabelecidos de acordo com o perfil de risco de cada cliente, dentro da política de cada instituição financeira.
A qualquer momento, o consumidor pode solicitar ao banco a diminuição ou o cancelamento do limite de crédito concedido.
Importante deixar claro que a FEBRABAN e seus associados não endossam e, além disso, combatem práticas que estejam em desacordo com a legislação vigente e as normas estabelecidas pelos órgãos reguladores."
Bancos procurados pela coluna:
Banco do Brasil: Informou que não aumenta limites do cheque especial sem a anuência do cliente. E, realmente, a coluna não recebeu reclamações contra o banco.
Banrisul: A coluna ligou e mandou e-mail ao longo da manhã. No entanto, ainda não recebeu retorno.
Bradesco: Orientou buscar uma posição da Febraban.
Caixa Econômica Federal: o banco informa que só aumenta o limite do cheque especial com autorização expressa do cliente por meio dos canais de atendimento ou diretamente na agência.
Itaú: Foi enviado o questionamento para o e-mail informado no setor de imprensa e ainda não houve retorno.
Santander: Foi enviado o questionamento para o e-mail informado no setor de imprensa e ainda não houve retorno
Abaixo, postagem feita no Facebook da colunista com os relatos de leitores:
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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