A maldade maior da vida é aquela que surge da ignorância posta a serviço do engano. Ou quando engano e ignorância disputam carreira entre si para ver quem faz mais vítimas. O resultado único é, sempre, a coroação da mentira como verdade incontestável.
É o que ocorreu em Pelotas, onde um laboratório (ou dito como tal) simulou centenas ou milhares de exames de mama para detecção de câncer. Não se trata de uma dessas falcatruas que povoam o cotidiano, em que "os mais espertos" enganam a quem tenha a virtude da boa-fé, mas de um crime atroz planejado pela cobiça. Nele, todas as formas de horror se somam e põem em jogo a saúde humana feminina. O câncer é enfermidade assustadora, exige atenção redobrada e – no caso das mulheres – pode incidir também nos seios, que são parte da beleza corporal.
Não se trata de um pequeno equívoco fortuito, em que (nestes tempos de frio úmido) confundamos resfriado com gripe, resolvendo o problema com chá de guaco e repouso. O crime é brutal, estendeu-se durante anos e é impossível saber quando começou ou, até, quando terminará. Mesmo que "o laboratório" deixe de funcionar, como vamos identificar hoje, de um a um, os falsos exames de tempos atrás?
Mais ainda: como saber se o horror se limita a Pelotas e a um único laboratório, ou se foi copiado noutros lugares?
A sociedade de consumo especializou-se em adulterar o que puder, em busca de lucro fácil. Do amor à gasolina, das palavras ao falsos atos, adultera-se tudo. Lembram-se do leite envenenado com soda cáustica e outras pestilências? Alguns envenenadores mudaram a marca da empresa e seguem aí.
Onde está a responsabilidade humana e empresarial? Terá desaparecido o velho orgulho dos pequenos ou grandes empresários de apresentar o melhor, sem mistificações?
Ou já confiamos na mentira?
***
Porto Alegre recebeu do Imperador Pedro II o título de "mui leal e valerosa" por ter sido fiel à monarquia que a Revolução Farroupilha tentou derrubar. Agora, os vereadores decidiram gastar um dinheirinho montando uma "ópera-rock" baseada no belo texto em que o poeta Luiz Coronel (junto com o pintor Danúbio Gonçalves) homenageou os revolucionários. Esqueceu-se a Câmara Municipal, porém, de revogar o monárquico lema da capital rio-grandense…
Assim, no lema, permanecemos leais à monarquia que Bento Gonçalves e os revolucionários de 1835 chamavam de absolutista e perniciosa. Simulamos uma história e confiamos na mentira que fere a própria História.