O caos de Maio de 1968 foi o oposto ao de agora: em vez da paralisação desastrosa, tudo foi dinâmico. A rebelião juvenil estendeu-se pelo planeta tal qual o "caos bíblico" criou um novo mundo a partir do nada.
O movimento de 50 anos atrás libertou o protesto, tornou normais o debate e a liberdade de criar e pensar. Recriou o diálogo. O novo surgiu como protesto. Em Paris, jovens invadiram um banco norte-americano, em solidariedade aos moços dos EUA (entre eles, o campeão mundial de boxe, Cassius Clay), que se negavam a matar no Vietnã.
Na opressiva ditadura do Brasil, a guerrilha e o protesto foram refúgio à opressão. Mas tudo tem dois lados e brotou a face perigosa da contestação – maconha e droga em protesto à legalização da morte.
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A Guerra Fria entre EUA e União Soviética criou novas tecnologias para facilitar a matança. A internet e a informática surgiram da Guerra nas Estrelas, com as duas superpotências preparando a luta no cosmo imenso. Quando a pressão dos jovens se sobrepôs à loucura da guerra nuclear (que extinguiria a humanidade) e só restava conviver, o progresso tecnológico construiu o mundo atual.
Hoje, o Dr. Google domina a vida e não vivemos sem ele.
Tudo tem a ver com Maio de 1968. Os moços que, na França e Alemanha, cunharam a frase "é proibido proibir" não buscavam apenas libertar o amor ou o erotismo, nem queriam (no Brasil) só derrubar a ditadura. Queriam ser livres para pensar e articular o futuro, ter escolas que formassem cidadãos, não papagaios repetidores de frases. Queríamos ser melhores do que éramos. E, até, ser duros, "mas sem perder a ternura jamais".
O milagre de Maio de 68 foi derrubar mitos, preconceitos e ideias congeladas. Os grandes profetas se fundiram à ciência, em novo bronze - Cristo, Marx, Che Guevara e
Mao, junto a Einstein, Freud, Jung, Koch, Santos Dumont, Carlos Chagas, mais Beethoven, Mozart, Vivaldi, Chico Buarque e Vandré. Nessa extravagante salada mista cultural, a maconha explodiu em inocente fuga ao horror. Hoje, é um horror em si. A cobiça do capitalismo-selvagem do narcotráfico apossou-se daquilo que os jovens pensavam ser "fuga" à opressão da ditadura ou da guerra.
Maio de 68, porém, não buscou isso. Quis fugir do banal, sem poder prever que a sociedade de consumo (alentada pela tecnologia) deformaria as metas, transformando tudo em mercadoria: o afeto, os sonhos e o amor.
Disse tudo isso (e mais) em Berlim, agora, ao palestrar no Lateinamerika Forum.