Esgotado mentalmente pelo clima de crise no mundo, resolvi tomar duas medidas, uma delas bem-sucedida; a outra, não. A primeira foi sair dos grupos de WhatsApp de que eu participava em que se debatia política. Certas discussões nas redes sociais se tornam rapidamente um embate de quem está certo e quem está errado, de modo que fica cada vez mais difícil alguém admitir: "Você tem razão nesse ponto". O diálogo, que era o objetivo principal, fica comprometido. Conversas ao vivo costumam ser mais produtivas, mas a pandemia não é um bom momento para fazer isso. Quem sabe uma videoconferência?
A outra decisão para encontrar paz de espírito foi a ideia de um retiro de fim de semana em um lugar isolado, em meio ao cheiro da natureza, sem dispositivos eletrônicos por perto. Essa foi a medida que não deu certo, nem saiu do papel, porque o momento é de ficar em casa de quarentena. E talvez eu pudesse relaxar em casa mesmo, onde há opções de lazer.
Foi aí que resolvi espanar os livros da minha biblioteca, que já estava precisando mesmo de uma boa limpeza. É um trabalho terapêutico porque permite um reencontro com livros há tempos não consultados. Cada volume é não apenas o seu conteúdo mas também a memória do lugar e da época em que foi adquirido. Walter Benjamin tem um texto lindo sobre coleção de livros chamado Desempacotando Minha Biblioteca. "Minhas compras mais memoráveis ocorreram durante viagens, como transeunte", escreveu Benjamin. "Quantas cidades não se revelaram para mim nas caminhadas que fiz à conquista de livros!". Em tributo ao pensador alemão, Homi Bhabha publicou o artigo Unpacking My Library Again ("Desempacotando Minha Biblioteca de Novo"), em que se recorda de aquisições em Bombai, Oxford e Londres, entre outros lugares.
Outra redescoberta na minha estante, além de Benjamin e Bhabha, foi uma raridade: os diários de Victor Klemperer, que saíram em português em 1999 em volume único, hoje difícil de encontrar até mesmo em sebos. Primo do maestro Otto Klemperer, Victor foi um estudioso da linguagem de origem judaica alemã, tendo se convertido ao protestantismo a certa altura, que registrou a ascensão e a queda do nazismo.
É de partir o coração a passagem em que ele expressa sua decepção quando um "filho de criação" se pronuncia a favor do novo regime. Suas memórias de 1933 não eram o passatempo leve que eu buscava, mas são leitura recomendável para entender o perigoso fascínio do fanatismo.