"O que um homem vê bêbado nas outras mulheres, vê sóbrio em Greta Garbo", escreveu certa vez o crítico teatral Kenneth Tynan sobre a estrela do cinema dos anos 1920 e 30. Tynan foi um dos mais espirituosos praticantes de um gênero de texto conhecido como perfil, o equivalente ao retrato no mundo da pintura. É um dos tipos mais difíceis de escrita, pois exige do jornalista ou ensaísta grande erudição e estilo, além de conhecimento aprofundado sobre o retratado, fruto de pesquisa e de entrevistas. Nas mãos de um autor menos habilidoso, vira um bloco de palavras burocrático e insosso. Aos cuidados de um Kenneth Tynan, pode se tornar um documento histórico.
O perfil não é necessariamente uma exaustiva biografia; às vezes, é o retrato de um momento em uma vida significativa. Como Gay Talese explicando por que um resfriado pode ser banal para qualquer pessoa, mas não para Frank Sinatra: "Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível – só que pior. Porque um resfriado comum despoja Sinatra de uma joia que não dá para pôr no seguro – a voz dele –, mina as bases de sua confiança". Mais do que isso: "Um Sinatra resfriado pode, em pequena escala, emitir vibrações que interferem na indústria do entretenimento e mais além".
Me apaixonei pela arte do perfil ao ler o que considerei na época um divertido relato de Lynn Barber sobre uma desastrada entrevista com Marianne Faithfull em 2001, publicado no The Observer. Barber teve que encarar um atraso de duas horas da cantora e atriz, que posava para um ensaio fotográfico enquanto deveriam estar conversando, e desaforos do empresário dela, que achava que a matéria seria apenas sobre drogas e sexo. Na época da publicação, eu era um estudante de Jornalismo na metade do curso e ainda não tinha visto um relato tão cru e debochado. Mesmo que o estilo de Barber pareça personalista e ousado em muitos momentos, sua sinceridade sem filtros combina com a da própria entrevistada.
Mas o perfil ideal, para mim, é diferente. O jornalista cultural brasileiro Daniel Piza, que morreu prematuramente aos 41 anos, em 2011, foi preciso ao definir: "O bom perfil nunca esquece que aquele criador está em destaque pelo que fez ou pela reputação que ganhou fazendo o que fez. É intimista, sem ser invasivo; e interpretativo, sem ser analítico". Exemplo disso, para Piza, é o texto de Lillian Ross sobre Ernest Hemingway publicado em 1950 na The New Yorker.
Escrever sobre pessoas é um desafio e uma responsabilidade. É preciso saber usar esse poder, que pode embriagar os menos preparados. Não se deve ser condescendente, nem injusto com o retratado. Nos melhores casos, aprende-se algo novo sobre a condição humana a partir de uma experiência de vida. "Ao ouvir as pessoas, cuide daquilo que elas dizem como você cuidaria de um precioso presente", anotou William Zinsser, em um manual de escrita.