Mesmo quem tem birra com estrangeirismos não resiste a uma boa palavra em outra língua que resuma uma ideia complexa. Os alemães são mestres nisso: Schadenfreude expressa o sentimento de alegria frente ao infortúnio alheio, como assistir ao seu time rival perder uma final de campeonato. Esses termos intraduzíveis dão a satisfação de saber que uma experiência que julgávamos individual é compartilhada por outras culturas, e é tão comum que deram até um nome para isso.
Sempre que algum visitante entrava na minha casa e perguntava se eu havia lido todos os livros da biblioteca, eu respondia, constrangido, que não. O que me curou do sentimento de culpa foi a palavra japonesa tsundoku, que se refere ao hábito de comprar livros com a intenção de ler, mas deixá-los empilhados. Refere-se também à própria pilha não lida. É bom saber que outros passam por isso.
Temos em português uma palavra similar, "bibliofilia", mas não é a mesma coisa. Bibliofilia se refere mais ao ato de colecionar livros raros. Com registro escrito desde o século 19, tsundoku não é, hoje, um termo pejorativo. Amante dos livros que se preze compra mais do que consegue ler. Umberto Eco não encarou os 30 mil volumes que havia em sua biblioteca. Em uma resenha de Como Falar dos Livros que não Lemos, de Pierry Bayard, Eco explicou que, mesmo lendo um volume por dia, entre os 10 e os 80 anos, seria possível terminar no máximo uns 25 mil livros.
Nassim Nicholas Taleb escreveu que os livros lidos são muito menos valiosos do que os não lidos. Não é para tanto, mas entendo o que ele quis dizer. A biblioteca pessoal não representa o conhecimento que se tem, mas o quanto ainda se quer saber. Por falar em palavras novas, Taleb propôs chamar a coleção de livros não lidos de "antibiblioteca". Mas já vi gente argumentando que a própria palavra "biblioteca" contempla a ideia de que muitos itens não foram – e talvez não serão – lidos.
Como os interesses mudam com o passar dos anos, já doei livros que perdi a vontade de ler. Só permanecem em casa aqueles que podem ser úteis um dia. De tempos em tempos, faço uma reavaliação, porque o espaço é limitado, e a poeira acumulada, infinita. Da próxima vez que alguém perguntar se você leu tudo o que tem, aponte a definição de tsundoku no Google como uma honraria.