Alberto Gerchunoff, cujos 70 anos de morte são lembrados neste ano, é um grande escritor argentino do século 20 que os brasileiros quase não conhecem. Estou certo de que especialmente os gaúchos teriam prazer em redescobri-lo, porque Gerchunoff é nosso primo, o Moacyr Scliar deles: um autor que elevou à mais sofisticada literatura a trágica e magnífica crônica dos judeus gaúchos – que, no caso de Gerchunoff, chamaríamos de gauchos, na pronúncia em espanhol. Scliar (1937-2011) era filho de imigrantes nascido no Brasil; Gerchunoff (1883-1950), de uma geração anterior, um russo (sua cidade natal hoje fica na Ucrânia) que adotou a Argentina como sua.
Publicado em 1910, no centenário da Revolução de Maio, Los Gauchos Judíos ("Os gaúchos judeus") é sua maior obra, uma reunião de contos inspirados na vivência com os primeiros judeus que se estabeleceram no país vizinho. O trágico assassinato de seu pai por um gaucho, que motivou a mudança da família da colônia de Moisés Ville para a de Rajíl quando Gerchunoff ainda era criança, é lembrada no conto A Morte do Rabi Abraham.
Nas páginas do livro, escritas em estilo poético e solene, que remete à prosa bíblica, testemunhamos a criação de uma identidade hifenizada, meio judaica e meio gaúcha (que Scliar captou com maestria na metáfora do romance O Centauro no Jardim, de 1980). A história dos judeus argentinos tem muito em comum com a dos que se estabeleceram no Rio Grande do Sul nas colônias de Philippson e Quatro Irmãos. Uma escritora que fez a crônica do lado de cá, e também merece ser relida, é Frida Alexandr (1906-1972), autora das memórias de Filipson (1967). O Novo Mundo era a Terra Prometida, o que tinha um significado especial para os argentinos: Theodor Herzl (1860-1904), fundador do sionismo político, cogitou em 1896 aquele país, assim como a Palestina, como possível terra para um futuro Estado judeu.
É difícil acreditar que não temos um tradução integral para o português de Los Gauchos Judíos. Dois contos figuram na coletânea de vários autores Entre Dois Mundos (Perspectiva), de 1967. Foi Jorge Luis Borges quem escreveu que Gerchunoff dominava com igual felicidade a linguagem oral e a escrita. Seus livros, disse, têm "a fluidez do bom conversador", e em sua conversa, "uma generosa e infalível precisão literária".