Em uma das melhores tiras da Laerte, um anjo tenta entender o funcionamento da máquina do tempo, que Deus acaba de construir: “Ela leva ao futuro ou ao passado?”. Ao que Deus responde: “A nenhum dos dois – ela faz o tempo existir”. Enquanto o anjo digere essa informação profundamente metafísica, Deus acrescenta: “Olhe, ela também faz sorvete de pistache”.
O que há de mais genial nessa tira é a interrupção de uma questão filosófica com outra mundana, retratando um Deus próximo dos seres humanos. Toda a série da Laerte sobre Deus é assim, baseada em um humor que brinca com as angústias existenciais, sem julgamentos. É quando o encontro do humor com a religião se mostra em sua melhor forma.
Outro exemplo é a tira de Leon Poch em que um homem com um relógio estragado na mão bate na porta de um estabelecimento comercial que tem um relógio de ponteiros pendurado na fachada. O dono da loja aparece na janela para esclarecer: “O senhor está enganado. Não conserto relógios, sou um mohel, faço circuncisões”. O cliente questiona: “Então por que diabos colocou aí um relógio?”. O dono da loja: “E o que o senhor queria que eu colocasse?”.
Não há tema tabu que não possa ser abordado pelo humor a partir de uma solução criativa e elegante. Mel Brooks, no filme A História do Mundo, Parte 1 (1981), criou um esquete musical sobre a Inquisição Espanhola. Brooks incorpora os lugares-comuns do gênero musical a um episódio terrível da história da humanidade, fazendo o que o humor judaico sabe fazer de melhor: rir da própria desgraça.
Do Porta dos Fundos, envolvido recentemente em uma polêmica com seu Especial de Natal, o vídeo sobre religião de que mais gosto é um em que Moisés apresenta os 10 Mandamentos para um grupo de céticos questionam cada uma das leis, duvidando até mesmo desse negócio de Moisés ter falado com Deus sem ninguém mais ter visto.
O motivo de tanto subsídio para o humor é que a religião está baseada em histórias, que passam de geração em geração. Essas narrativas estão nos livros sagrados e nas palavras de líderes e fiéis. Essa tradição costuma ser transmitida com um peso que pode ser difícil de carregar. O humor é uma forma de acertar as contas com a religião, de torná-la mais digerível, até mais afetiva. O 11º mandamento deveria ser: “Rirás de ti mesmo”.