Não há maior mentira do que a ideia de que gosto não se discute. Muito pelo contrário, se há algo legal de discutir é justamente o gosto das pessoas – o que não significa que alguém pode impor seu gosto aos outros, claro que não pode. Mas o que dizer de quem garante que ouve todo tipo de música? Sejamos sinceros, ninguém é tão desprendido. Sempre há algo de que não gostamos ou até desprezamos. E sempre há algo que não conhecemos, e nesse caso não podemos dizer que curtimos – no máximo, podemos nos dispor a ouvir no futuro.
Quem diz que ouve todo tipo de música também gosta de música medieval? Dodecafônica? Metal sinfônico? Guitarrada do Pará? Daí minha teoria: muita gente que diz ouvir de tudo tem uma ideia restrita da música. Música não é apenas o que toca em uma única rádio, não é apenas o que o Spotify recomenda para mim, não é apenas o que os amigos andam ouvindo.
Isso vale para tudo no âmbito da cultura. É muito comum as pessoas assistirem ao mesmo tempo às mesmas séries, porque são aquelas promovidas pelo algoritmo da Netflix. Há pouco tempo, quando alguém começava a dizer que tinha uma série para recomendar, dava para adivinhar antes do fim da frase que era Stranger Things. Faltam opções? Nada disso. Com os aplicativos de streaming, nunca foi tão fácil ter acesso a tanta música, tanto filme, tanta série, a um custo baixíssimo para o cliente. Os fãs brasileiros de jazz e música de concerto, que antes tinham de comprar (ou desistir de comprar) CDs importados, agora têm à disposição um catálogo tão grande que é impossível ouvir tudo durante uma vida.
Mas acesso não garante a diversidade, porque encontrar algo diferente, que surpreenda e mostre uma visão expandida do que se entende por música, filme e série, exige um esforço pessoal, um garimpo. Tudo isso pode ser despertado pela educação, e aqui, em um assunto que começou de forma despretensiosa no primeiro parágrafo, estamos falando de um negócio sério, como o papel dos professores, das escolas, das universidades e seus departamentos culturais. O papel dos pais que apresentam coisas legais para os filhos ou os deixam descobrir nas coleções de LPs e CDs. Talvez assim alguém possa realmente dizer que ouve de tudo.