Um aspecto foi menos comentado do que merecia nos debates sobre Coringa: a trilha sonora. A angustiante atmosfera criada pela compositora Hildur Guðnadóttir é parte indissociável da experiência do filme, mas a jovem islandesa de 37 anos não faz o tipo de música que alguém sairia do cinema assobiando. Com o lançamento do álbum nas plataformas digitais, é hora de descobrir sua arte.
Mesmo que as 10 faixas mais ouvidas do perfil de Hildur no Spotify sejam de Coringa, há muito mais sobre ela. Quem assistiu a Chernobyl ouviu as paisagens sonoras que ela criou praticamente sem instrumentos musicais, apenas explorando as superfícies, texturas e ruídos das instalações da usina nuclear desativada na Lituânia onde a minissérie foi gravada. Pura música concreta.
Hildur não está sozinha. Faz parte de uma cena de compositores e músicos islandeses que são um dos fenômenos mais interessantes da música nos últimos anos. Quem gosta de inovação deve olhar para os talentos que vieram daquele país frio e distante. Pense no compositor Ólafur Arnalds ou no pianista Víkingur Ólafsson. Hildur colaborou diversas vezes com Jóhann Jóhannsson, compositor que morreu prematuramente em 2018, aos 48 anos. Juntos, Hildur e Jóhannsson (e o holandês Rutger Hoedemaekers) criaram a trilha da série islandesa Trapped, disponível na Netflix. Impossível não sentir um frio na espinha com a música de abertura desse drama policial.
Jóhannsson assinou as trilhas sonoras dos filmes A Teoria de Tudo (2014, provavelmente seu trabalho mais melódico e acessível), Sicario (2015) e A Chegada (2016), e deixou como legado álbuns como Orphée (Deutsche Grammophon), nos quais desafia a fronteira entre música de concerto e popular – mas popular no sentido de não se limitar a qualquer tipo de protocolo erudito. São obras frequentemente dotadas de lentidão, repetições e ruídos, que podem tornar a audição um processo dilacerante. E belo. É um paradoxo no qual se situa a música dele e de Hildur Guðnadóttir: como podem compositores tão herméticos terem se tornado um sucesso no cinema? Não poderiam estar mais distantes da música grandiloquente de um John Williams, que gruda no ouvido. Bom para nós. Os islandeses, que nunca foram conhecidos por sua tradição musical, protagonizam uma bem-vinda invasão.