Quem primeiramente me falou sobre Julia Wolfe foi o compositor e professor Fernando Lewis de Mattos. Conversávamos certa vez em seu apartamento, pois eu queria entender o que era aquele negócio de música contemporânea. Estava fazendo uma reportagem sobre o assunto, e ele era meu cicerone. O entusiasmo com que ele falava sobre o assunto converteria até mesmo o mais tradicional dos melômanos.
Foi a primeira vez que ouvi falar de um monte de compositores contemporâneos, vários deles vivos – o que era uma descoberta, dado que para muita gente a música erudita é algo que ficou no passado. Não só está em ótimo estado de saúde como há coisas incríveis, alertou Fernando.
Entre vários nomes que ele citou, um me interessou em especial pelo inusitado da descrição. Julia Wolfe, dizia ele, mistura heavy metal com música de concerto. A explanação foi bem mais rica, mas essa parte fez minha cabeça explodir. Eu sabia dos vários músicos de rock que haviam se inspirado na música erudita para criar um estilo "neoclássico", mas uma compositora de concerto, com toda a bagagem de gênios dessa tradição, ir buscar referência no rock?
Entendi o que Fernando quis dizer ao ouvir Dig Deep, composição de Julia que abre o disco The String Quartets (2003). Ali estava algo diferente, que estimulou minha curiosidade pela música contemporânea. Era a mesma energia de um show de rock, transposta para o formato de um quarteto de cordas, mas a agressividade ainda estava lá, e quem ouvisse em volume alto não sentiria falta das guitarras distorcidas.
Julia Wolfe, hoje com 60 anos, não apenas está entre os compositores norte-americanos mais reconhecidos, como está entre os artistas contemporâneos que mais valem a pena acompanhar. Neste ano, a Filarmônica de Nova York lançou a gravação de seu oratório Fire in My Mouth, baseado no incêndio na fábrica de roupas Triangle Waist Company em 1911, em Nova York, no qual morreram 146 dos cerca de 500 empregados, em sua maioria jovens mulheres imigrantes. Em 2015, Julia ganhou o Prêmio Pulitzer de música com outro oratório, Anthracite Fields, gravado em disco naquele ano. Seu tema é a vida dos trabalhadores de uma mina de carvão na Pennsylvania.
Quem ainda tem uma visão idealizada de um compositor na torre de marfim vai se surpreender com as pesquisas que Julia empreende para criar suas partituras. Seus assuntos não são as intrigas de amor das óperas do passado, mas os impasses do tempo em que vivemos, abordados por meio de histórias de vida. Na época da minha conversa com Fernando, era extremamente difícil ouvir Julia Wolfe. Os CDs eram importados, caríssimos no Brasil. Hoje, seu catálogo está acessível em streaming, então aproveitemos.