Com sua prosa clara e sofisticada, Harold Bloom é o cicerone que qualquer um desejaria para entrar no universo da literatura – e inclusive referência para muitos que já estão lá há algum tempo. Diferente de críticos literários avessos à arena pública, Bloom, que morreu nesta segunda-feira (14), dedicou títulos à divulgação da literatura para os leitores não acadêmicos. Como e Por Que Ler é uma estimulante introdução a grandes romances, contos, poemas e peças teatrais. Tanto pela invejável erudição quanto pela disposição de se dirigir ao público amplo, ele se tornou talvez o mais famoso crítico literário da atualidade, quando fama e crítica literária jamais pareciam destinados a se encontrar.
Dentro da Academia, as coisas são mais complexas. Embora amplamente respeitado, Bloom é representante de um dos lados de um debate sobre o cânone, ao lado de interlocutores que divergem dele. Cânone, em resumo, é o conjunto de grandes obras que ficam para a posteridade e que são ensinadas nas escolas e nas universidades.
Especialmente desde os anos 1960, e com nova força nos anos 80, uma variedade de abordagens críticas começaram a questionar se esse conjunto de grandes obras não era masculino demais, europeu demais, branco demais. É um debate que continua até hoje, e não parece haver resolução à vista. Bloom desprezava esse questionamento do cânone.
Sendo isentão, devo dizer que os dois lados têm um pouco de razão. Bloom está certo ao entender que há características estéticas que posicionam alguns autores, como Shakespeare ou nosso Machado de Assis, em um nível superior ao de seus contemporâneos em matéria de linguagem. Mas o cânone é suficientemente amplo para abrigar autores e autoras que foram injustamente esquecidos ou propositalmente apagados da memória.
A literatura ficaria menos empolgante se não pudéssemos debater sobre os autores que representam a nação e o nosso tempo. Primeiro, porque, felizmente, novos escritores continuam surgindo. Mas também porque obras do passado podem ganhar renovada atualidade. Um caso evidente é o de Margaret Atwood, que sempre foi uma grande escritora, cuja obra foi recuperada para iluminar impasses do presente. Espero que as ideias de Bloom nunca nos abandonem, nem a de seus descontentes.