Até pouco tempo, Margaret Atwood era a mais famosa escritora canadense em atividade, algo que o Nobel concedido em 2013 a sua colega Alice Munro pode ou não ter alterado. Resenhas de seu trabalho desde seus primeiros livros, no início dos anos 1960, deram a sua obra qualificações variadas que vão de "brilhante" e "inteligente" a "provocativa" e "sombria". Foi nos últimos três anos, contudo, que um adjetivo mais exótico passou a ser pespegado na ficção da multifacetada Atwood: "profética".
Nascida em Ottawa, no Canadá, em 1939 e ativa intelectual e politicamente aos 78 anos, Atwood é autora de O Conto da Aia (1985), em suas próprias palavras, seu livro "com mais probabilidade de ser incluído nas listas bibliográficas de cursos acadêmicos". Esse é também o romance que deu origem a The Handmaid’s Tale, série produzida pelo serviço de vídeo por demanda Hulu e que foi uma das grandes premiadas na noite de domingo no Globo de Ouro (melhor série dramática e melhor atriz em drama para sua protagonista Elisabeth Moss).
A série, que mostra um futuro distópico em que a liberdade das mulheres foi abolida e será exibida a partir de março no canal por assinatura Paramount, foi sucesso de crítica e transcendeu da categoria do fantástico especulativo para uma possível alegoria do presente após a eleição de Donald Trump, um candidato eleito com um ativo discurso contra minorias. Em marchas de mulheres contra as primeiras medidas de Trump, algumas carregavam cartazes com os dizeres “Façam Margaret Atwood virar ficção de novo”.
Criadora de interesses multifacetados
Atwood é uma autora com um domínio sóbrio e seguro da linguagem, mas que não se confunde com prosa hermética. Talvez a chave para entender por que seus livros agora estão sendo considerados visionários é seu interesse onívoro no ontem, no hoje e no amanhã, expresso em três grandes temáticas que cruzam o conjunto de sua obra. A reconstrução do passado se dá em romances históricos como Vulgo Grace (de 1996, também adaptado recentemente para uma minissérie pela Netflix).
As interrogações de cunho feminista sobre a estrutura patriarcal presente na sociedade permeiam toda sua obra, mas dão as caras com mais força em seus primeiros romances, como A Mulher Comestível (1969) e Madame Oráculo (1976). E o futuro é um tema que Atwood, onívora leitora sem preconceitos de obras que vão de faroeste e policial à ficção científica, tratou em romances distópicos especulativos como o próprio Conto da Aia ou como na trilogia pós-apocalíptica ambiental iniciada com Oryx e Crake (2003).
A curiosidade e a versatilidade de Atwood como criadora são amplas. Ela já publicou umas seis dezenas de livros, entre poesias, contos, romances, ensaios luminosos e inteligentes, resenhas generosas (não avalia livros dos quais não gosta), mas também já se dedicou a libretos de óperas e roteiros para histórias em quadrinhos. Também não se sente confortável com rótulos por demais estritos. Ela escreve ficção especulativa filiada à melhor tradição do gênero, mas não define seus livros como "ficção científica" porque não fala muito de ciência, e sim projeta o presente e o passado no futuro (em O Conto da Aia, não inventou nenhuma punição às mulheres de sua história, todas são restrições reais aplicadas em diversas sociedades ao longo da história).