Se a eleição do presidente dos Estados Unidos faz saltarem as vendas de um romance ambientado em um universo distópico, há que se prestar mais atenção. Mesmo antes de janeiro, quando pipocaram cartazes com essa referência na Women's March, o Hulu (serviço de streaming norte-americano ainda indisponível no Brasil) já havia anunciado, em abril de 2016, uma adaptação do romance The Handmaid's Tale (em português, O Conto da Aia) – enquanto o mundo, perplexo, ainda tentava explicar o sucesso da candidatura de Donald Trump.
Produzida por Bruce Miller, a série é baseada no livro da escritora canadense Margaret Atwood, lançado originalmente em 1984, que conta a transformação dos Estados Unidos em um Estado teocrático militar que subjuga as mulheres e retira delas qualquer autonomia social, política ou financeira. A relação entre os fatos e a literatura não é exatamente difícil de estabelecer: em Gilead, o novo país, direitos construídos pelos movimentos feministas e LGBT ao longo das décadas são novamente suprimidos em favor de "um mundo melhor" que, de fato, não tem a pretensão de ser melhor para todos.
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Na semana passada, a produção do Hulu recebeu oito indicações ao Emmy em seis categorias diferentes, incluindo a de melhor série dramática e de melhor atriz em série dramática, para Elisabeth Moss – que veio de Mad Men para encarnar a aia cujas memórias formaram o relato de The Handmaid's Tale. Ela é Offred ("of Fred", ou "de Fred"), a criada que, em um mundo onde os níveis de fertilidade são extremamente baixos, é destinada a gerar filhos contra sua vontade para um dos líderes da seita cristã que fundou Gilead (interpretado por Joseph Fiennes).
Debaixo do vestido vermelho e da touca branca que formam seu uniforme, Moss apresenta ao espectador as diferentes camadas psicológicas de Offred. A atriz memorizou não só as falas da personagem, mas também a narração em off, para mentalizar durante as gravações – o que faz com que as emoções que vão moldando seu rosto estejam de fato em sincronia com a voz que verbaliza seus pensamentos em cena. O elenco ainda tem Samira Wiley e Alexis Bledel, ambas escaladas em produções recentes da Netflix (Wiley é a Poussey de Orange Is the New Black, e Bledel voltou, no ano passado, a viver a Rory de Gilmore Girls) – as duas levaram as indicações ao Emmy, respectivamente, nas categorias de melhor atriz coadjuvante em série dramática e melhor atriz convidada em série dramática.
Disputando com Wiley está Ann Dowd, de The Leftovers, que interpreta uma das Tias responsáveis por manter as aias obedientes a seus patrões. A série concorre também ao prêmio de roteiro (com Bruce Miller, pelo episódio-piloto) e de direção, com Reed Morano e Kate Dennis. Há mais três diretores dividindo os 10 capítulos: Floria Sigismondi (The Runaways), Kari Skogland (de dois episódios de The Walking Dead) e Mike Barker (de dois episódios de Fargo).
E se The Handmaid's Tale é uma resposta à reação antifeminista dos anos 1980, como contou a escritora, também serve para rebater o ressurgimento da onda conservadora nos anos 2010. Atwood tomou o cuidado de incluir, na história, apenas situações que já ocorreram em algum momento da História, como o uso do vestuário coordenado para definir status social, gravidezes forçadas, enforcamentos em praça pública e o estupro institucionalizado – uma assustadoramente plausível combinação de fatos de diferentes períodos.
Faz da narrativa não apenas uma afirmação de que não conquistamos o suficiente, mas também um lembrete de que, se você é mulher, nenhum direito está completamente garantido.
O livro
Publicado em 1984 por Margaret Atwood, O Conto da Aia tornou-se novamente best-seller com a elogiada adaptação na série The Handmaid’s Tale, da plataforma de streaming Hulu, tem Elisabeth Moss (de Mad Men) no papel principal. O romance, que estava esgotado no Brasil (cotados a R$ 180 em sebos), ganhou reedição pela Rocco este ano. Tradução de Ana Deiró, 368 páginas, R$ 48.