A história de Solaris (1961) já foi muito mais vista do que lida. Adaptado ao cinema em 1972 pelo russo Andrei Tarkovsky (1932 – 1986), o livro do polonês Stanislaw Lem (1921 – 2006) se transformou em um clássico do cinema de ficção científica. Mais tarde, em 2003, ganhou uma nova versão para as telas, desta vez do americano Steven Soderbergh. Apesar do sucesso no cinema, uma estranha lacuna permanecia aberta no mercado editorial brasileiro: quem quisesse ler o romance teria que se contentar com traduções indiretas, geralmente preparadas para o leitor lusitano.
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O espaço foi preenchido agora pela editora Aleph, que acaba de lançar a primeira tradução de Solaris direta do polonês para o português, assinada pela paranaense Eneida Favre. As anteriores eram baseadas nas traduções para o inglês, que por sua vez eram escritas a partir de uma edição francesa considerada “pobre” pelo próprio Lem. Com isso, trechos desnecessariamente omitidos pelos tradutores anteriores voltam para o texto, bem como os nomes originais dos personagens – um deles, por exemplo, chamado Snaut tornara-se Snow na língua inglesa para soar mais acessível.
A chegada em atraso de uma tradução direta de Solaris não ocorreu apenas no Brasil. Em inglês, uma edição nesses moldes só apareceu em 2011. A justificativa para a demora pode estar no temperamento de Lem, mas também nas próprias qualidades de sua obra. O polonês se tornou uma presença indesejada em muitas conferências de escritores depois de afirmar que a ficção científica estaria se tornando uma "prostituta", oferecendo "desconforto e desgosto" para saciar o mercado. Além disso, Philip K. Dick chegou a denunciar o autor como um agente comunista – provavelmente K. Dick estava em um de seus surtos de esquizofrenia, mas o fato acirrou ânimos.
Solaris também não tem as características que levam milhares de fãs de ficção científica às livrarias, como batalhas intergalácticas e ataques alienígenas. O texto de Lem explora conceitos da ciência e da psicologia em um clima de permanente suspense. No livro, o psicólogo Kris Kelvin é enviado a uma base espacial em outro planeta, já ocupada por alguns cientistas, com o objetivo de estudar seu estranho oceano, que apresenta características de um organismo inteligente. Ao chegar, Kelvin depara com aparições perturbadoras, que materializam medos e desejos obscuros. O protagonista precisará lidar com suas contradições mais íntimas enquanto procura entender que força misteriosa atua naquele ambiente.
Trata-se de uma aventura no espaço, mas também de um mergulho existencial. E que finalmente tem uma edição à altura por aqui.
Solaris
De Stanislaw Lem
Romance, Aleph, 320 páginas, R$ 59,90.
Cotação: 5 de 5 estrelas