Já há no país ao menos sete ações na Justiça contra a Netflix por causa da exibição de A Primeira Tentação de Cristo, especial de Natal do Porta dos Fundos feito para o streaming neste ano. Elas foram ajuizadas por lideranças de igrejas cristãs que se sentiram ofendidas com a paródia bíblica, em que Jesus é retratado como gay.
Dessas sete ações, há cinco em São Paulo, uma no Rio de Janeiro e uma no Mato Grosso, todas elas pedindo censura do especial. O número pode ser maior, porque existe um tempo entre o ajuizamento, a análise da petição e a inclusão dos processos no sistema de informação eletrônico dos tribunais. Seis já foram negadas pela Justiça.
O ataque inclui uma petição ajuizada com a participação do presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Eduardo Tuma, e outra acatada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro após ofício protocolado pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.
Junto com o Conselho Nacional dos Conselhos de Pastores do Brasil e o bispo Robson Rodovalho, fundador da comunidade evangélica Sara Nossa Terra, Tuma pede ainda indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão. A ação também requer indenizações individuais em valor "não inferior a R$ 1 mil" a todos os cristãos que se sentirem lesados e que se habilitem a pleitear este valor.
Segundo o advogado que protocolou a ação, Ricardo Hasson Sayeg, a intenção é mobilizar a comunidade evangélica para que diversas pessoas recorram na Justiça o direito à indenização, o que poderia ser feito apenas após sentença desfavorável à Netflix em última instância. Sayeg disse ainda que a representação não considera que o pedido de retirada do programa do ar configura censura.
— A gente entende que (o programa) foi além do direito de manifestação artística — argumentou o advogado.
Sayeg acredita que, no caso de vitória das instituições evangélicas, um volumoso número de pedidos por indenizações individuais poderia gerar um prejuízo de R$ 5 bilhões à Netflix.
A petição diz que o conteúdo do programa está "deturpando ofensivamente a imagem de Deus, de Jesus Cristo, da sua sagrada Mãe Maria e de todos os demais protagonistas bíblicos envolvidos".
É uma interpretação. O especial retrata Jesus (Gregorio Duvivier) como herói. Ele enfrenta Orlando/Lúcifer (Fábio Porchat) e sai vitorioso da batalha, depois de passar por uma experiência lisérgica em que deuses de diversas religiões aparecem para influenciá-lo.
Sayeg diz que incomoda mais o fato de Maria fumar maconha do que o de Jesus ser retratado como gay, embora nada explicite que o cigarro que ela acende em uma das cenas faça menção direta à erva.
A Netflix disse que não vai comentar sobre as ações. A plataforma emitiu um comunicado à mídia internacional sobre o especial: "Valorizamos a liberdade artística e o humor por meio da sátira nos mais diversos temas culturais da nossa sociedade e acreditamos que a liberdade de expressão é uma construção essencial para um país democrático".