Não há nada mais fácil do que decretar a morte de qualquer coisa: de Deus, da MPB, da ombreira. Nesse mundo novidadeiro, quem não quer ser o primeiro a dar a notícia que antecipará uma mudança de paradigma?
O trabalho do coveiro de tendências é simples porque daqui a cinco, 10, 15 anos ninguém se lembrará da previsão para cobrar veracidade. O que vale é o impacto da primeira impressão. Isso sem falar em mortes que simplesmente não podem ser verificadas – quem aqui não guarda bem guardado aquele confortável moletom velho para usar em casa?
É claro que o mundo muda, e algumas coisas de fato morrem. Não tenho saudade da fita cassete, embora ainda seja possível encontrar alguns fãs por aí. Mas não há nada mais temerário na área da cultura do que sair por aí decretando o fim das coisas. Quem pensou que o violão tinha dado o que tinha para dar enquanto os grandes compositores voltavam seus olhos para a orquestra, o piano e o violino teve de engolir sua volta triunfante ao repertório da música de concerto no século 20. Quem achou que já tinha passado o tempo das peças trágicas no teatro não contava com as inúmeras reescritas do gênero ao longo da história.
E quem teve certeza de que o álbum como forma de consumir música tinha morrido? Olha ele aí, vivinho da silva nas plataformas digitais, convivendo pacificamente com as playlists, os EPs e os singles. Até o LP, que muitos achavam que estava sete palmos abaixo do chão, voltou com tudo e virou produto de luxo. Pense nos livros de papel, essa tecnologia antiquada, pesada e perecível que teimamos em amar, apesar da incrível praticidade dos leitores de livros digitais.
Quando for agendar o próximo enterro, pense duas vezes antes de sair por aí convidando as pessoas.