Quem vai educar a criança que brinca na sala de estar de sua casa e que proporciona os mais sublimes momentos de sua família? Antes de responder “eu” ou “nós aqui, e mais ninguém!”, contenha-se, porque este serzinho tão central nas suas idealizações de família, e de país, está na mira de um ente poderoso e invasivo chamado governo, que tem seus próprios planos e interesses para moldar seu filho, goste você ou não.
Talvez você não tenha sido alertado, ainda – e a alienação dos pais é condição essencial para que as estratégias urdidas em gabinetes possam prosperar. Por isso, se me permite um conselho, após a leitura deste texto pesquise sobre o tema e jamais volte a perdê-lo de vista. Refiro-me ao Plano Nacional de Educação que está sendo definido para o período 2024-2034. É isto mesmo: pelos próximos 10 anos, as escolas deverão se pautar pelos enunciados que constarem deste documento cujos contornos finais estão sendo dados pela Conferência Nacional de Educação (Conae 2024), um fórum de discussão que o atual governo brasileiro procura controlar, restringindo os canais de participação, para impor sua visão de Brasil.
E esta visão, materializada em 179 páginas do “Documento de Referência”, é de dar calafrios em quem ainda tivesse alguma esperança de que as novas gerações escapariam ao destino de analfabetos funcionais que até aqui vem estigmatizando nossas crianças e adolescentes, como atestam os certames de avaliação internacional de estudantes.
Já em suas primeiras páginas o texto se perde em referências políticas e, o que é pior, em uma mentira, ao qualificar de “golpe de Estado” o impeachment legítimo e constitucional que a “presidenta” Dilma Rousseff sofreu em 2016. O que um evento político tem a ver com um plano para a educação de nossas crianças nos próximos 10 anos? Nada, é claro. Mas na mentalidade de ativistas que ideologizam absolutamente tudo, do jardim de infância ao pós-doutorado, este é o caminho. A palavra “golpe”, para o impeachment, aparece quatro vezes no “Documento de Referência” para o Plano Nacional de Educação, entre outras expressões que hostilizam o agronegócio e o movimento Escola Sem Partido. O texto critica resoluções de 2020 por “retomarem concepções ultrapassadas como a pedagogia das competências” e apresentarem “uma visão restrita e instrumental de docência”.
O ranço político que impregna o “Documento de Referência” evidencia que o partido que governou o Brasil por quatro mandatos presidenciais nada aprendeu sobre educação, e agora, em sua quinta passagem pelo poder, deseja garantir para os próximos 10 anos a reiteração de um fiasco internacional. Na última edição do Pisa, ranking de 81 países, apesar dos avanços de posição no período 2018-2022, ficamos em 52º lugar em Leitura, em 62º em Ciências e 65º em Matemática. De cada 10 brasileiros com 15 anos de idade, sete não sabem resolver problemas matemáticos simples, o que nos coloca atrás, por exemplo, de Peru, Costa Rica e Azerbaijão.
Sonho com um plano inspirado em países como a Coreia do Sul, que em menos de meio século saiu de uma posição inferior à brasileira, em indicadores educacionais, e hoje figura em 6º lugar no Pisa. Mas isto deve ser delírio de um “ultraconservador”, para usar um dos vários termos depreciativos que o documento dirige a quem sopra o apito ao ver o Titanic acelerando rumo à geleira.