Sempre dou atenção às análises publicadas pelo economista gaúcho Darcy Francisco Carvalho dos Santos por duas razões. A primeira delas é o esmero técnico na observação dos números. Seu campo de estudos é o das finanças públicas, uma seara muito permeável a explorações políticas. Mas Darcy, e eis sua segunda virtude, se mantém sóbrio, independente, equidistante de facções.
Quem quiser entender, por exemplo, como o Estado do Rio Grande do Sul gerou uma dívida inadministrável ao longo de meio século encontrará, em seus textos, um relato equilibrado e objetivo, calcado em um amplo painel estatístico que ele maneja sem a preocupação de poupar, agradar ou perseguir setores e personagens da política que se alteraram no poder. Em suma, prende-se aos fatos, sua matéria-prima. Mas paciência tem limite, e foi nisso que pensei ao ler seu último artigo, quando ele se permitiu um desabafo ao deitar os olhos sobre o orçamento federal para 2024. “Os senhores parlamentares que me desculpem, mas não estão pensando no Brasil, que caminha a passos largos para a derrocada.”
De fato, a peça orçamentária tem várias deformações. Fixo-me em uma delas, por razões de espaço: a dinheirama destinada às emendas parlamentares. Serão R$ 49 bilhões, uma exorbitância que os deputados e senadores terão à disposição para irrigar seus redutos eleitorais com critérios que, sabemos todos, ressalvadas honorabilíssimas exceções, atendem apenas ao objetivo de pavimentar o caminho para a própria reeleição ou impulsionar aliados que disputarão prefeituras municipais no final do ano. Não há, na alocação dessa montanha de recursos, um sentido que atenda a uma ideia de desenvolvimento do país, tão carente de infraestrutura econômica e social. É dinheiro para adubar o continuísmo e frear a necessária renovação política. Concorrência desleal, para dizer o mínimo. E o abuso não cessa aí. O fundo eleitoral sugará, do bolso do pagador do impostos, mais R$ 4,9 bilhões.
A gastança com emendas parlamentares recebeu um veto do presidente da República, mas não se trata de uma tentativa de reduzir o montante a ser pago. O que Lula tenta retirar da lei orçamentária é apenas o dispositivo que obriga o governo a cumprir um cronograma de liberação dos recursos.
A razão é evidente. Lula quer utilizar a liberação das emendas parlamentares de acordo com o cronograma político que interessa ao governo, segurando o dinheiro até as vésperas de votações importantes no Congresso. Foi o que o Planalto fez em 2023, quando grande parte dos parlamentares votaram e aprovaram, às escuras, temas complexos como reforma tributária. É a compra de votos institucionalizada, sem reação alguma das instâncias de controle.
Ministério Público e Judiciário, de saudosa memória nos tempos do mensalão, calam-se, atuando como engrenagens de um único bloco de poder. O governo, que aqui já referi como o regime STF-Lula, opera sem freios, e lastimavelmente o Congresso Nacional, o único poder amparado no voto de todos os brasileiros, se amesquinha pela postura de um grande contingente de parlamentares que, literalmente, negocia seus votos em barganhas nada republicanas.