As ruas tristes, consternadas, do 7 de Setembro foram a moldura de um país catatônico. Na véspera, uma decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, escandalizou a grande maioria do povo brasileiro que acredita na decência e tenta ensinar aos filhos que o crime não compensa. Incomodou até jornais em regra tão condescendentes com uma Suprema Corte que tomou para si o poder de ditar leis e governar. No Peru, um dos vários países em que a Odebrecht é alvo da Justiça, o diário Perú 21 escancarou na capa uma grande fotografia de Lula sorridente. Em tamanho menor, o rosto de Dias Toffoli. A manchete, impressa em vermelho, é uma súplica: “Que no nos pase lo mismo”. O jornal resume o episódio da seguinte maneira: “La impunidad de la mano de la política: un juez socialista entierra el caso Lava Jato en Brasil para salvar a Lula”.
As botinadas que Toffoli deu no direito não cabem neste espaço, mas em resumo o que fez o ex-advogado de sindicatos e do próprio PT foi anular, de uma penada, todas as delações da Odebrecht que serviram de base para o Ministério Público oferecer denúncia contra políticos, agentes públicos e privados, lobistas – em suma, corruptos e corruptores responsáveis pelo que se transformou no maior caso de corrupção do mundo, com metástases na América Latina, Europa e América do Norte. Toffoli considerou “imprestáveis” as delações de Marcelo Odebrecht e de 77 executivos da empreiteira, assim como os dados extraídos da área de “operações estruturadas” da empresa, apelidada de Departamento de Propinas. Tudo foi parar debaixo da toga protetora do ministro que fracassou em dois concursos públicos para se tornar juiz de direito mas, pelas mãos de Lula, chegou à cadeira de ministro do STF aos 41 anos de idade, e inclusive foi alçado à presidência da Corte entre 2018 e 2020.
Entre os muitos codinomes espirituosos que apareciam nos registros e e-mails da Odebrecht, os investigadores tentavam descobrir quem era “o amigo do amigo do meu pai”. Já haviam concluído que o amigo de Emilio Odebrecht, pai de Marcelo, era Lula. Mas quem era o amigo do amigo? Em sua delação, Marcelo respondeu: era José Antonio Dias Toffoli. A Revista Crusoé trouxe a revelação em 2019. Alexandre de Moraes, que conduz um inquérito antijurídico aberto por ordem, exatamente, de Toffoli, mandou a revista tirar do ar a reportagem, reinaugurando a censura no Brasil. O STF entrou em ebulição diante das movimentações no parlamento para criação da CPI da “Lava-Toga”.
E a vida seguiu em frente até o 6 de setembro de 2023, quando Toffoli judicou em causa própria, uma vez que ele está citado nas delações que inutilizou. Como mancheteou o Perú 21, enterrou a Lava-Jato inteira. O ministro disse que tudo foi uma grande armação, falou em “ovo da serpente”, verberou contra a prisão de Lula, que considerou ter sido “um dos maiores erros judiciários do Brasil”, e determinou a investigação de todas as autoridades e servidores públicos, inclusive no Judiciário e no Ministério Público, que atuaram na Lava-Jato.
Impossível não lembrar de Augusto Nunes e seu sempre citado “faroeste à brasileira”, filme em que o bandido prende o xerife.