Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse na semana que passou que o 8 de janeiro de 2023 foi o “Dia da Infâmia”, pegando emprestada, uma vez mais, a definição dada por Franklin Roosevelt ao ataque perpetrado pela força aérea japonesa que destruiu as bases militares norte-americanas em Pearl Harbour, no Havaí, arrastando os Estados Unidos para a Segunda Grande Guerra. Um mínimo apreço pela verdade histórica bastaria para que a ministra, a caminho de sua aposentadoria, poupasse os brasileiros desta comparação aberrante e, o que é grave para uma integrante da suprema corte, brutalmente injusta.
Pearl Harbour foi um ataque-surpresa no amanhecer de 7 de dezembro de 1941. Já as manifestações de 8 de janeiro foram divulgadas em redes sociais de um modo tão espontâneo que a Agência Brasileira de Inteligência disparou pelo menos 33 avisos ao general Gonçalves Dias, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional nomeado pelo atual presidente da República, com quem tem relação próxima o bastante para ser conhecido como “o general do Lula”. Você leu corretamente: foram 33 avisos, todos eles desconsiderados com pachorra. Os generais de Roosevelt não tiveram um mísero indício do que os aguardava. Por óbvio, nenhum chefe militar foi visto circulando na base naval placidamente. Inimaginável, também, que se dispusesse a servir água aos japoneses. Impossível, portanto, ver nos atos de 8 de janeiro o “caráter traiçoeiro”, como disse a ministra, do bombardeio a Pearl Harbour.
Menos cabível, ainda, a associação entre os protagonistas da ação no Havaí e em Brasília. As forças do Imperador Hiroito eram compostas por combatentes kamikaze que despejaram uma chuva de bombas e torpedos. Os manifestantes do 8 de janeiro eram, em sua grande maioria, gente simples, que foi a Brasília para dar vazão a suas ideias, valores, princípios, tudo aquilo em que acreditam. Gente sem armas, sem organização, sem qualquer disposição para um confronto com quem quer que fosse, como demonstrou em numerosos e concorridos atos pacíficos realizados por todo Brasil. Gente ingênua politicamente, que nada mais fez na vida a não ser trabalhar e educar seus filhos para o trabalho e que se deixou inflamar naquele fim de semana de 7 e 8 de janeiro pelo ideal de viver em um país de liberdade. Nenhum tiro, nenhuma vítima. Em Pearl Harbour, o parâmetro da ministra, mas de 2 mil militares americanos foram mortos.
Tenho ojeriza ao sentido atual da palavra “narrativa”, antes evocadora de contos, novelas, romances, e agora empregada como sinônimo de mentira, invencionice e grosseira deturpação de fatos e significados, mas é no que penso ao ouvir a fala da ministra e cotejá-la com a desumanidade que mantém presas, em Brasília, sob condições ultrajantes, pessoas inocentes. Mesmo os vândalos, uma minoria que cometeu depredações e outras barbaridades nos prédios dos três poderes, deveriam estar respondendo a processos em liberdade e com direito a defesa, nos casos em que a lei – esta senhora tão esquecida e vilipendiada no regime atual – lhes faculta tal prerrogativa.
Desculpe interromper o debate sobre Barbie com este tema, mas as infâmias do 8 de janeiro gritam à consciência ética da nação.
A elas dedicarei a próxima coluna, ou as próximas, se necessário para dar conta das violações aos direitos e à dignidade destes brasileiros.