Em 2016, a ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, produziu uma frase sob medida para os holofotes da imprensa. “O cala-boca já morreu”, bradou ela para enaltecer o valor de uma imprensa livre. Há alguns dias, uma acabrunhada figura, que em nada lembra a altivez da Carmem Lúcia de seis anos atrás, personificou a melancólica decadência da Justiça brasileira. Estava em apreciação no Tribunal Superior Eleitoral a desmonetização do canal da produtora Brasil Paralelo. A pauta incluía um tópico ainda mais sensível: ratificar ou não uma decisão de suspender o lançamento do documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro. A decisão pela censura prévia do documentário havia partido do ministro Benedito Gonçalves, aquele em cujas bochechas Lula pespegou seis palmadinhas em recente evento. No momento de proferir seu voto, Carmem Lúcia tartamudeou um emaranhado de palavras que não formavam um conjunto lógico, inteligível. O voto se arrastou entre reticências, parênteses, ressalvas e veja-bem, até que, envergonhada, ela decidiu o que talvez se possa traduzir como “sim, proibir um documentário sem conhecer seu conteúdo é censura prévia, mas autorizemos em caráter excepcional, só desta vez”.
No engasgo de que foi tomada ao justificar a marcha à ré em seus princípios, Carmem ainda balbuciou que “não se pode permitir a volta da censura no país”. Confuso? Iria piorar. Prosseguindo em seu zigue-zague argumentativo, disse que a decisão deveria ser revista se houvesse indício de cerceamento à liberdade de expressão no caso do documentário censurado previamente.
O voto cambaleante de Carmem Lúcia afronta a Constituição, por certo, mas diga-se, como atenuante, que ela apenas marcha no ritmo absolutista do ministro Alexandre Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Com pleno respaldo de grande parte dos seus colegas do STF, e contando com a cumplicidade de um presidente do Senado omisso, Moraes vem reiteradamente violando as a Constituição e as leis. O New York Times questionou se a Suprema Corte brasileira estaria indo longe demais em seu autoritarismo e poucos dias depois retratou Moraes como o peculiar brasileiro que teria concentrado o poder de ditar o que os cidadãos podem e o que não podem falar nas redes. Mais recentemente, outro grande diário, o Wall Street Journal, publicou artigo no qual a correspondente Mary Anastasia O´Grady afirma que a esquerda brasileira avança em uma tentativa de amordaçar o discurso político a partir de poderes extraordinários conquistados por um juiz “notoriously anti-Bolsonaro”.
O brasileiro que foi às urnas no primeiro turno deu um passo importante para equilibrar a balança da Justiça e sanear a democracia deformada pela atuação tirânica de um ministro como Alexandre de Moraes. A renovação do Congresso e particularmente do Senado, que é a casa encarregada de processar o impeachment de ministros do STF, deve fazer a diferença. Isso, claro, se houver na presidência do Senado um parlamentar com a estatura que Rodrigo Pacheco em momento nenhum demonstrou ter.