Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula e de Temer, e vice-presidente da Caixa na gestão de Dilma, fez nesta semana sua reaparição pública desde que foi preso, em 2017, sob acusação de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Na lembrança de todos, ficou associado às imagens de televisão mostrando aquele apartamento repleto de malas que regurgitavam de tanto dinheiro.
A Polícia Federal passou trabalho para contar tantas cédulas, e ao final apurou que, ali, naquilo que se chamou de bunker da propina, havia mais de R$ 51 milhões. No início do ano, saiu da prisão graças a uma decisão do STF. Além de conceder a ele progressão de regime, esta grande benesse que o sistema penal brasileiro oferece a quem opta pela vida do crime, o ministro Luiz Edson Fachin reduziu em mais de 600 dias a pena de Geddel porque ele fez leituras na prisão, elaborou resenhas críticas do que leu e até passou no Enem.
Desde sua soltura, no início do ano, Geddel se manteve discreto. Mas aos poucos, apesar da muleta, vai recobrando a desenvoltura. Dias atrás, em um ato que selou a união PMDB-PT na Bahia, Geddel proclamou sua gratidão a Lula, fustigou os adversários ("Vão ter que me engolir") e, num aviso que me soou como uma mala de ameaças, disparou: "Nada nem ninguém vai me constranger (...) para exercer a minha vocação e a minha militância".
Vocação. Fiquei remoendo esta palavra. E me transportei para décadas atrás, para me encontrar com outro tempo e um outro Brasil. O Brasil de seu Pedro Arlindo, um descendente de alemães que passou um sufoco danado nos primeiros anos da década de 1940. Por causa de seu sobrenome, meramente, sofreu uma perseguição implacável assim que Getúlio Vargas desceu do muro da ambiguidade e o Brasil declarou guerra à Alemanha.
Em meio à atmosfera de caça às bruxas contra os descendentes de alemães, perdeu sua principal fonte de renda, base do sustento de sua esposa e de seus dez filhos, mas seguiu em frente. Mergulhou no trabalho, batucando na máquina de escrever até altas horas da noite. Mas sempre encontrava tempo para acudir alguém que o procurasse com um problema qualquer, na pequena vila em que morava, na região das Missões. Acabou virando uma espécie de prefeito sem cargo, e sem salário. Nunca pediu nem aceitou nada como paga pelas ajudas que prestava. Se necessário, e se tivesse, tirava algum dinheiro do bolso. Ainda me lembro do que ouvi de sua filha, dona E. Maria. "Meu pai era assim. Naquele tempo, política não dava dinheiro, só preocupação e responsabilidade, sabe? Era assim... como é que eu vou te dizer... uma vocação."
Perguntei a ela por que procuravam tanto Seu Arlindo, e escutei que essas coisas nunca se sabe ao certo, mas provavelmente porque era um homem confiável, de pouca fala, muita escuta e, sobretudo, de fartas e diversificadas leituras. Sabia ler livros e ler gente. Não se proclamava líder de ninguém, nem aspirava a exercer qualquer "militância". Vivia para o trabalho, e acreditava que integridade não se ensina – se demonstra.
Pelo exemplo.