Todas as crises, a seu tempo e a seu modo, apontam caminhos. E há muitos ensinamentos a colher desta escalada global da inflação, que castiga inclusive economias de moeda estável, como vemos na Europa e nos Estados Unidos. A pandemia já havia deixado muito claro o tremendo custo social e econômico desta temerária escolha que o Ocidente fez, a partir dos anos 1990, ao deslocar para a Ásia, e particularmente para a China, instalações industriais de praticamente todo produto que pudesse se beneficiar de mão-de-obra barata. O custo da imprevidência chegou, como registrei aqui (Fábrica do Mundo, 8/1/2022). Mal saímos da crise sanitária, eclodiu outro evento terrível: a invasão da Ucrânia pela Rússia, que desorganizou ainda mais as cadeias globais de suprimento de itens essenciais, de alimentos a petróleo (o que, enfim, dá no mesmo: energia).
Neste cenário, o Brasil apresenta situações muito específicas pesando contra e a favor. O grande trunfo do país é a segurança alimentar garantida pela exuberância de seu agronegócio, protagonismo que bem poucos países detêm. Já a nossa maior vulnerabilidade é produto de uma irresponsabilidade histórica que só agora começa a receber combate: o abandono de ferrovias e, também, do modal hidroviário como meios eficientes de integração de um país com tamanho de continente. Esse papel foi dado às rodovias de um modo quase obsessivo, e o resultado é que, de ponta a ponta, o caminhoneiro carrega o país nas costas, ou na carroceria. Imbatível nos trechos menores, o caminhão que se obriga a percorrer enormes distâncias enfrentando estradas ruins e custos altíssimos transporta esse ônus para o orçamento dos consumidores.
O governo federal acerta em sua tentativa de viabilizar investimentos em ferrovias e em projetos como a “BR do Mar”, mas estas são ações que demandarão tempo para produzir resultado. De imediato, é preciso chamar à responsabilidade a empresa que, de fato, domina o mercado brasileiro de combustíveis.
A Petrobras apresenta margens de lucro suficientemente altas para encontrar outras maneiras de financiar suas atividades e, de outra parte, fazer jus ao “S” (de Social) que está presente no seu badalado programa ESG. O Brasil e o mundo vivem uma situação incomum de exposição ao risco inflacionário. E o impacto de ações (ou de omissões) sobre a comunidade é um princípio elementar observado por qualquer empresa que se proclame alinhada com fatores que transcendam a mera busca da lucratividade. Se não revisar com urgência sua postura comodista, a Petrobras não terá por que se surpreender quando sua necessária privatização entrar em pauta e a população reagir com indiferença à pregação de que se trata de uma empresa com “função social”.
A Petrobras hoje é um ser indefinível. Não é uma estatal puro-sangue – aliás, o Estado não deve mesmo explorar petróleo. Também não é uma empresa de capital aberto inserida em um modelo de mercado aberto e concorrencial.
Vive e prospera sob uma redoma a cada dia mais insustentável.