Entre tantas passagens interessantes do seu lúcido (e honesto) painel intitulado China – Velho e Novo Império, livro com selo da EdiPUCRS, o jornalista e economista Wilson Marchionatti pinçou um experimento conduzido pela norte-americana Sara Bongiorni entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2005. Na época, ela decidiu verificar como seria sua vida se passasse um ano sem usar, vestir ou consumir produtos chineses. Típica iniciativa de uma jornalista 24x7, que vive pensando em pauta para seus escritos e não hesita em misturar trabalho e vida. Aliás, vidas, porque para ter sucesso em sua empreitada Sara se deu conta de que precisaria engajar todos os membros de sua família. Missão difícil: naquele dezembro em que teve esse insight, ela constatara que, de 40 compras realizadas para as festas natalinas, 24 tinham origem chinesa.
O resultado da peripécia familiar de Sara foi contada no livro A Year Without “Made in China” (2007), ou “Um ano sem “made in China”, e a conclusão a que chegou é aquela que você já deve estar imaginando: possível é, mas viver sem produto chinês torna sua rotina bem mais difícil, trabalhosa e, principalmente, mais cara. Pelo registro que Wilson Marchionatti fez da avaliação final de Sara, percebe-se que, naquela época, 15 anos atrás, o mundo convivia candidamente com essa dependência. “O que isso realmente trouxe para nossa casa”, escreveu ela na transcrição feita por Marchionatti, “é o quanto estamos conectados com o resto do mundo no que queremos e precisamos (...). Eu fiquei muito satisfeita ao ver como estou conectada a esse grande e vago conceito de economia global.”
Grande, vago – e perigoso, como sabemos agora. Na pandemia, o mundo descobriu – sem a mesma leveza e tranquilidade de Sara - que a China concentra grande parte da produção mundial de princípios ativos essenciais à indústria de medicamentos e, também, de máscaras, luvas e outros equipamentos de proteção individual utilizados em hospitais. Não é um monopólio, e sim um quase duopólio. O outro país a concentrar a produção desses produtos essenciais à saúde humana é a Índia, uma democracia da qual não se espera, como dos chineses, uma fria e pragmática diplomacia disposta a fazer uso do que estiver ao alcance dos objetivos de um regime de partido único para mexer suas peças no tabuleiro geopolítico mundial.
O fato é que ingressamos em 2022 com essa questão posta no horizonte do Brasil. O que estamos fazendo para devolver ao país algum mínimo grau de suficiência na produção de farmoquímicos, com tínhamos quase três décadas atrás? Abrimos mão em nome de uma quimera globalista, é isso?
O Ministério da Ciência e da Tecnologia anunciou algumas iniciativas, inclusive no plano da produção vacinal, mas esses movimentos, que deveriam mobilizar o setor privado e a academia, e passar por um escrutínio sério com o apoio da imprensa, parecem não merecer atenção. O varejo da algazarra política engole tudo que deve ser seriamente discutido.
A conta de nossas distrações chegará.