Grande parte da imprensa tradicional viu seu modelo de negócios ser encurralado pela revolução do meio digital, que nas últimas décadas vem multiplicando o número de produtores de informação e análise e consolidando o poder das plataformas eletrônicas e suas redes sociais. Em um primeiro momento, a televisão conseguiu reagir melhor ao tsunami digital que transformou o jornalismo porque detinha um trunfo sobre a mídia impressa: o entretenimento. Mas logo a onda gigante veio engolir também esta linha de defesa das velhas mídias, com o streaming de filmes e todo tipo de conteúdo.
Tempos houve em que a compreensão dos grandes fatos exigia a leitura de dois ou três jornais nacionais e, ainda, a aguardada edição de pelo menos uma revista semanal. Sem me dar conta – porque as revoluções não vêm com estrondo, mas com zumbido – fui fechando o leque de jornais e revistas. Minha impressão é de que os veículos se equivaliam em conteúdo e, inclusive, na forma. Pareciam referenciar-se uns nos outros, talvez buscando instintivamente a mesma porta de saída para a crise, o conhecido efeito manada. E todos contra o Google, para citar apenas a mais icônica das big techs.
Nas minhas cogitações, o jornalismo de raiz ocuparia uma raia própria – a das informações apuradas com esmero, não com pressa, guiadas por um sentido de equilíbrio e pluralidade de visões para permitir ao público formar análises robustas e confiáveis, precisamente o que não seria fácil encontrar no território vasto e multifacetado da internet.
Infelizmente, não foi esse o cenário que se materializou. Jornais que avocam para si um papel de liderança no jornalismo brasileiro formaram um “consórcio”, e não foi para fazerem um contraponto às gigantes da internet, mas para se renderem a elas. Imprensa e big techs tornaram-se sócias, e deste enlace nasceu um rebento chamado “agências de checagem”.
O resultado dessa grande construção é o que vemos: além de parecidos, os noticiários não oferecem os dois lados no debate científico tão essencial no contexto desta pandemia. Parecem querer convencer. Ou, para usar o termo tão caro à internet, empenham-se não em informar, mas em “influenciar”. Não privilegiam o contraditório, mas o consenso artificial dos concordantes. A dúvida não é bem-vinda. O questionamento é, por vezes, ignorado, quando não ridicularizado. A empáfia engoliu a humildade. Empanturramo-nos de certezas e corremos para o abraço de nós mesmos, frente ao espelho.
Isto não é, em essência, jornalismo. É relações públicas, ou, PR, no sentido norte-americano. Não é algo espúrio, claro que não. Nem ilegítimo. O lobby, seja político, econômico, científico, corporativo, tem sua razão de ser e suas engrenagens próprias. Tanto quanto a propaganda de produtos, serviços e causas.
Só não posso concordar que se trate de jornalismo.
Salvo melhor juízo, são cepas diferentes.