Estará a suprema corte brasileira indo longe demais, a pretexto de defender a democracia? A pergunta foi lançada nesta semana pelo jornal New York Times e deu título a uma reportagem publicada com a assinatura de seus dois correspondentes no Brasil. O rol de arbitrariedades e truculências cometidas pelo STF, tendo como ponta-de-lança um ministro que parece ter perdido o juízo, aparece apenas superficialmente no texto. Mas o pouco que contam Jack Nicas e André Spigariol já é o suficiente para estarrecer seus leitores, mundo afora, sobre os riscos que corre “a quarta maior democracia do mundo”.
E não é por obra do presidente da República, como manda a praxe das ditaduras pelo mundo, mas por “justices” (julgadores supremos) que concentram em suas mãos o poder de investigar, acusar e julgar como se não houvesse leis nem Constituição nem princípios jurídicos básicos e universais – principalmente o direito de você saber do que está sendo acusado, ser defendido por um advogado e, caso seja sentenciado, dispor de ao menos uma instância independente para fazer sua apelação.
Ao terminar a leitura do artigo do New York Times, me senti pesaroso e constrangido. Aquele texto veio do CEP errado. Deveria ter sido publicado em português por grandes jornais brasileiros com um histórico de defesa da democracia. E não agora, apenas, mas repetidamente, resilientemente, desde 2019, quando começou esta interminável procissão de ilegalidades perpetradas pelo que um dia já foi nossa veneranda Suprema Corte. A censura imposta pelo ministro Dias Toffoli a uma edição da revista Crusoé que trazia a reportagem “O amigo do amigo do meu pai” foi o primeiro golpe. O ato seguinte foi a instauração, por Toffoli, de um processo tão antijurídico, inconstitucional e abusivamente vago que recebeu de seu colega, o então ministro Marco Aurélio Mello, o apelido que virou título de um livro, o “Inquérito do Fim do Mundo”.
Até hoje o inquérito se arrasta, sem propósito aparente a não ser o de espalhar medo. Em sua marcha tsunâmica, vai tragando sem clemência biografias de cidadãos brasileiros para os quais foi e tem sido negado o que se conhece por “devido processo legal”. Há jornalista exilado nos Estados Unidos. Dona de casa que teve suas redes sociais desmonetizadas. Houve prisão de deputado, de presidente de partido, banimento de redes sociais de partido político. E, numa suprema demonstração de força e de delírio, Alexandre de Moraes, o xerife do Inquérito do Fim do Mundo, colocou sob seu tacão oito empresários que conversavam em um aplicativo de mensagens, determinando contra eles medidas como quebra de sigilo bancário, bloqueio de redes sociais e apreensão de celulares. Um caso de thought police, ou “polícia do pensamento”, como bem disse a Subprocuradora Geral da República, Lindôra Araújo, aos repórteres do New York Times.
Precisou dar no New York Times. Será que agora a névoa de silêncio se dissipa? Ou precisaremos esperar que o jornal norte-americano venha perguntar ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quando desengavetará o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes?