Em fevereiro de 2019, o recém-empossado ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deitou os olhos sobre números que o estarreceram. Dos R$ 1,4 bilhão destinados pelo ministério à saúde dos indígenas, cerca de R$ 650 milhões haviam sido encaminhados a ONGs. “Só uma ONG que é lá do meu Estado, no município de Dourados, leva R$ 490 milhões, e eu não posso questionar?”, esperneou o deputado-ministro ao jornal Correio do Estado (MS). Sim, mesmo investido de autoridade, Mandetta sentiu que estava pisando em terreno proibido ao questionar o elevado custo e a falta de transparência de certas organizações que, embora “não governamentais”, são aquinhoadas com torrentes de dinheiro público. Prometeu “reestruturações”, e o resto é silêncio. Seu brado foi obsequiosamente ignorado pela imprensa. Os jornais tinham polêmicas mais importantes a tratar, presumivelmente.
Mas, então, três meses depois, eis que outro ministro, o do Meio Ambiente, retirou outra vez da penumbra o tema das ONGs. A equipe de Ricardo Salles examinou um quarto dos 103 contratos abastecidos com recursos do Fundo Amazônia e viu irregularidades em todos aqueles firmados com organizações não governamentais. Decidiu que a aplicação dos recursos deveria passar pelo controle soberano do governo brasileiro, e não das ONGs, parte delas meras sucursais de organizações com sede no exterior. A Noruega, principal apoiadora do Fundo Amazônia, reagiu manifestando confiança na governança “robusta” do Fundo e em seguida bloqueou novos repasses. Desta vez, o assunto foi parar nas manchetes, invariavelmente voltadas para vilanizar o então ministro do Meio Ambiente e o governo brasileiro, com base, como sempre, no ponto de vista de... ONGs. Sobre as irregularidades encontradas nos contratos, outra vez silêncio.
Foi então que um senador amazonense resolveu propor a formação de uma CPI das ONGs que atuam na Amazônia – e elas são muitas. Plínio Valério (PSDB-AM) precisava de 27 assinaturas. Colheu 31. Tudo estava pronto para a instalação da comissão. Mas veio a pandemia e nada mais andou no Senado, a não ser a CPI da Covid, obra de uma intervenção do STF docilmente obedecida pelo presidente Rodrigo Pacheco, ao arrepio do regimento interno da casa. Desde 2019 na fila, Plínio Valério ainda terá de esperar o pós-eleição para puxar o fio do novelo em episódios como o apontado por Mandetta e outras denúncias que lhe têm chegado. Enquanto espera, junta elementos como a fiscalização feita no Fundo Amazônia pelo Tribunal de Contas da União, a pedido do Congresso. Nela, constata-se que as ONGs chegam a consumir 85% dos repasses com sua própria estrutura interna – diretoria e profissionais contratados, principalmente, além de pouca eficiência na aplicação dos recursos em benefício da atividade-fim.
“Sei que a CPI não terá divulgação pela mídia, mas isso não tem a menor importância para mim”, diz Plínio. Autodefinido como um caboclo de beira de rio nascido em Eirunepé (a 1,2 mil quilômetros de Manaus, sem ligação por terra), ele sabe como cada peça é movimentada no tabuleiro das ONGs, por vivência, por convívio com indígenas e, também, pelo que leu no denso relato da jornalista e ex-ativista ambiental canadense Elaine Dewar no livro Uma Demão de Verde (Cloak of Green).