Quando convidou as Forças Armadas para sua recém criada "Comissão de Transparência das Eleições", em setembro de 2021, o então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, fez um cálculo político esperto – o de trazer para seu lado a instituição de maior credibilidade entre os brasileiros. Mas faltou algo elementar no raciocínio de Barroso, sempre tão dado ao exercício de afetação de virtudes. Faltou-lhe compreender por que a maioria do povo brasileiro confia em seus militares mais do que em políticos, juízes ou jornalistas, como atestam reiteradamente, há muito tempo, pesquisas de reputação. Certamente o respeito granjeado por profissionais da Marinha, da Aeronáutica e do Exército vêm do trabalho técnico, compenetrado e sóbrio que fazem. Nada mais tolo do que esperar das forças que se disponham a fazer figuração e dar-se por satisfeitas com exposição a holofotes.
Por certo, Barroso não pensou nisso ao assinar a portaria 479 do TSE, convidando os militares para a "Comissão de Transparência". Ou imaginou que ele e seus colegas de Supremo, que comandam o TSE, que mandam no Conselho Nacional de Justiça e que interferem com mão de ferro na Polícia Federal, e até sobre a área de inteligência do país, seriam capazes de tutelar as Forças Armadas. Poderia ter incluído, no rol anterior, o parlamento, também sequestrado pelo STF. Como esquecer a cena em que Barroso atravessou a rua para ir ao Congresso pressionar chefes partidários e obter deles a imediata substituição dos parlamentares que examinavam a proposta de dotar a urna eletrônica de um comprovante do voto, para tornar o processo eleitoral auditável?
Pois agora Barroso e seu sucessor no comando do TSE, Luiz Edson Fachin, estão frente a dificuldades em sua campanha para defender um dogma: o de que a urna eletrônica brasileira – modelo anos 1990 – e um sistema de apuração que não permite auditoria são o que há de melhor e mais seguro no mundo, embora só Brasil, Butão e Bangladesch os utilizem. Os técnicos das Forças Armadas, que atuam na defesa cibernética do país, expuseram uma série de vulnerabilidades e riscos. Um deles é a possível instalação, nas urnas e no sistema, de códigos maliciosos de software (malwares) que não seriam percebidos nos testes de integridade. Quem acompanhou o Dieselgate, em 2017, há de lembrar. Carros a diesel de uma grande montadora eram dotados de um dispositivo eletrônico codificado maliciosamente para descobrir quando o veículo estava sob teste ambiental. No teste, o nível de emissão dos veículos ficava abaixo do limite tolerado por lei. Circulando normalmente, as emissões eram muito superiores.
As Forças Armadas e seu time de defesa cibernética apresentaram várias sugestões. Uma delas grita de tão simples: devolver aos TREs, nos Estados, o poder de fazer a apuração dos votos, que lhes foi subtraído inexplicavelmente. A bem dizer, a racionalidade, o rigor técnico e a isenção do TSE também foram subtraídos. Se continuará a ser assim, é cedo para saber. Mas não é razoável supor que as Forças Armadas tomem parte em uma coreografia.