Os dois lugares que mais amei nessa encarnação são a serra gaúcha e o litoral catarinense. Guri de apartamento, minha vida mudou por completo ali e, inebriado pelo fulgor da natureza de ambas as regiões, decidi estudá-las a fundo. Foi assim que surgiu meu apreço pela história – e foi assim que virei o que sou. Mergulhei na geologia, na geografia, na história dos povos originários, no desembarque dos lusos, na chegada de alemães e italianos. Escrevi seis livros sobre a Serra e dois cujas passagens-chave se desenrolam no litoral de Santa Catarina.
Nasci em Porto Alegre, mas aos cinco anos, mudei para São Paulo e lá passei a infância – falei que era de apartamento. Já adulto, voltei a morar lá, trabalhando em jornais e TVs. Aprendi a amar aquela cidade difícil e, anos mais tarde, contratado pela prefeitura, dirigi dois projetos editoriais sobre os 450 anos da fundação de São Paulo. Tal mergulho me fez entendê-la ainda melhor, já que fora um difícil começo, pois a cidade fabril parecia ser o avesso do avesso, como cantou o poeta.
Me desculpo ainda assim, pois mesmo não concordando com as posições políticas que esses quatro locais majoritariamente tomaram, ofendi gente que admiro e respeito
Por maior que tenha sido meu caso com a Pauliceia Desvairada, nunca fui muito fiel e a troquei pelo Rio de Janeiro, onde morei, cuja história também estudei e sobre a qual agora escrevo um romance que terá 1.500 páginas: pequena fração do amor que senti pela cidade, que faz um tempo, já não é tão maravilhosa quanto um dia foi.
Pois bem: no calor, na vertigem, na alucinação das últimas eleições, tão logo elas acabaram, gravei, em minhas redes sociais (que nem minhas são), um “pronunciamento” positivamente delirante, no qual, entre outros equívocos, cometi o maior de todos: o da generalização. Ofendi, sem medir palavras, a trajetória dos quatro lugares que mais me são caros, e que suplantam até a cidade onde nasci. Foi um erro, um equívoco, um excesso. Suponho que haja gente que não queira me desculpar – sei bem como funcionam essas redes. Mas me desculpo ainda assim, pois mesmo não concordando com as posições políticas que esses quatro locais majoritariamente tomaram, ofendi gente que admiro e respeito e, acima de tudo, não contribuí com nada do muito que tenho a contribuir.
Mas para mim, e para quem acredita na democracia, as eleições acabaram e eu não pretendo viver sem os locais que mais amei na vida. Afinal, apesar de admirar – e ser grato – ao Nordeste, é só olhar para ver que eu sou do Sul.
NOTA DA RBS
Os colunistas do Grupo RBS têm liberdade para manifestar suas opiniões, desde que com respeito, tolerância, sem palavras ofensivas e/ou preconceituosas. Não compactuamos, portanto, com o posicionamento e o tom utilizado por Eduardo Bueno em vídeo postado na segunda-feira (31), em suas redes sociais.
A RBS reitera sua defesa pela pluralidade de opiniões, mas sempre prezando pelo respeito com o público gaúcho em todas as nossas manifestações.