Não é preciso ser cientista político – nem historiador com y, como eu – para perceber que o Brasil está fendido, rachado ao meio, partido em dois. E nem é preciso ser profeta para saber que as coisas não vão mudar muito depois de domingo. Assim, sempre disposto a promover a paz e a concórdia, o comedimento e a compostura, venho por meio dessas maltraçadas linhas lançar uma modesta proposta, a ser posta em prática já a partir de segunda-feira: separar fisicamente os brasileiros conforme suas mais profundas convicções.
Isso implicaria, claro, uma operação de complexa logística. Mas finda essa espécie de metempsicose coletiva, as pessoas já despertariam numa nação apaziguada. De um lado – que iria, digamos, da serra gaúcha a São Paulo, dando uma guinada para oeste em Mato Grosso do Sul e subindo aos grotões da Amazônia –, viveriam pessoas felizes na sua imunidade de rebanho, tomando cloroquina, apoiando o garimpo onde quer que haja pirita e prontas para ver a Amazônia virar campo de futebol; gente que não crê em mudanças climáticas, acredita em “Intervenção militar já”, julga que “Supremo é o povo”, despreza a imprensa, só se informa pelo zap e acha a Lei Rouanet dispensável, a não ser para sertanejos e clubes de tiro. Clubes de tiro, aliás, lá estarão abertos a crianças a partir dos cinco anos. De quatro, não – não insista.
Na outra parte do pais bipartido – a porção que inclui basicamente o Nordeste e, talvez, Minas Gerais –, viveriam, felizes, pessoas que acreditam, veja só, na vacina (até contra aftosa), acham que leis ambientais devem ser cumpridas, veem com preocupação eventos climáticos extremos; desconfiam, mas julgam que dos males o STF é o menor; acreditam que os militares são mais úteis ao país nos quartéis, creem que redes sociais não devem espalhar fake news, são favoráveis ao desarmamento e adoram a música de Caetano, Gil e Chico – e da Pablo Vittar e do João Gordo também. Sertanejo? Só se for Luciano sem Zezé e Xororó sem Chitãozinho. Ah, e Sócrates substitui o menino Cai-Cai.
Ainda assim, resta um problema. Com quem ficará a bandeira do Brasil? Pessoalmente, sempre a achei brega. Então, não me importo se mudar de cor. Para azul-celeste, por exemplo, como a do Uruguai. Afinal, minha bandeira jamais será vermelha. A não ser, claro, nesse domingo – pois para Mato Grosso eu não vou nem encilhado. Até porque sempre gostei mais do Nordeste.