Sabe aquelas séries que está todo mundo vendo, ou que quem não está se sente compelido a ver porque mesmo quem não viu já está falando dela? Será que Sem Limites, a “nova” série da Amazon Prime, é uma dessas ou é só pelo fato de eu ter estudado bem a história que ela conta que todo mundo vem falar comigo sobre ela? Pois para quem (ainda) não sabe, Sem Limites é sobre a épica jornada que Fernão de Magalhães realizou entre 1519 e 1522 – a primeira viagem de circum-navegação da Terra e até hoje o maior feito náutico da história das explorações. A jornada que “provou” que a Terra é redonda...
Até há méritos na série: a reconstituição histórica, os figurinos, as naus e até a linguagem verbal e gestual do elenco, tudo é acurado e envolveu boa dose de pesquisa e, claro, dinheiro. Rodrigo Santoro está firme e forte no papel de Magalhães e tem salvo-conduto para falar portunhol, pois Magalhães era um português refugiado em Castela, e Alvaro Morte (o professor de La Casa de Papel) também faz um bom Sebastião Elcano, o líder da expedição após a morte de Magalhães (spoiler de 500 anos?). Mas a direção do britânico Simon West é pífia e o roteiro, de um tal Patxi Amezou, indesculpável.
Não sou daqueles que acha que a história verdadeira não possa ser alterada para melhor servir ao roteiro. “Imprima-se a lenda”, frase imortalizada por John Ford, é poderosa. Mas extirpar da história o que ela tem de melhor e colocar “fatos” muito menos interessantes que os reais, aí não tem perdão. Magalhães era zarolho e manco. Perdeu um olho e ficou coxo lutando pela Coroa portuguesa no Marrocos e foi o fato de o rei Dom Manuel se recusar a lhe pagar indenização que o levou a desertar para Espanha. A serie ignora isso, e torna Magalhães quase um traíra. Mas há lacunas ainda maiores.
Patagônia se chama assim porque Magalhães e seus homens julgaram ter visto índios de pés enormes (eram aquelas “raquetes de tênis” que se usa para andar na neve). Terra do Fogo se chama assim porque lá eles viram as fogueiras acesas pelos nativos. O oceano Pacífico se chama assim porque a expedição pegou uma calmaria de três meses e a tripulação teve que comer a sola de seus sapatos. O Rio de Janeiro (talvez) se chame assim pois ali a frota passou o Ano Novo de 1520. E agora o mais grave: Magalhães foi levado até lá por um degredado português, João Lopes de Carvalho, o Carvalhinho, primeiro branco a ter vivido na baía de Guanabara. Carvalhinho e seu filho tupinambá de 8 anos, o Niñito, foram personagens-chave na trama, e a serie os suprimiu.
Como autor do livro Náufragos, Traficantes e Degredados, que conta bem essa história, afirmo: Sem Limites é uma bosta. Bom, mas assim sendo, pelo menos não afunda. Veja a série, leia meu livro e faça sua a minha indignação. Tenho dito!